Luiz Carlos Mendonça de Barros FOLHA DE SÃO PAULO
Na conflituosa agenda legislativa de hoje, a questão da renegociação da
dívida de Estados e municípios com o Tesouro Nacional ocupa lugar de
honra. Em um esforço de última hora, o ministro da Fazenda negociou que
as novas condições de pagamento entrem em vigor apenas em 2016.
Como tive uma participação relevante nas negociações que levaram à
federalização das dívidas financeiras de quase todos os Estados
brasileiros –e de alguns municípios– em 1996, creio ser minha
responsabilidade trazer ao leitor da Folha alguns fatos que ficaram
perdidos nestes quase 20 anos já passados.
Em 1996, com o Plano Real consolidado, a equipe econômica liderada pelo
então ministro Pedro Malan iniciou a construção do que se convencionou
chamar de Lei da Responsabilidade Fiscal. Buscava-se então um arcabouço
jurídico que evitasse no futuro a verdadeira "irresponsabilidade fiscal"
que marcou os anos iniciais da Nova República, nascida em 1985 após as
trevas da ditadura militar.
A Constituição de 1988 estabeleceu que as regras para a contratação de
dívidas por Estados e municípios seriam definidas pela CAE, a Comissão
de Assuntos Econômicos do Senado. Portanto, para que aumentassem seu
endividamento, bastava uma autorização da CAE.
Vivia-se em 1996 uma verdadeira Festa da Uva nesse campo, pois essa
comissão era formada, na sua maioria, por senadores que ou tinham sido
governadores ou que ambicionavam ser governadores de seus Estados.
Diante das dificuldades políticas de alterar esse quadro legal, o então
ministro das Comunicações, Sérgio Motta, sugeriu o caminho da
federalização das dívidas existentes, em condições favoráveis aos
devedores. Isso seria feito por meio de um contrato entre as partes,
aprovado nas Assembleias Legislativas de cada Estado, dando a esse
mecanismo as garantias de cumprimento de suas cláusulas dentro de um
arcabouço jurídico claro e definido na legislação brasileira. Mas uma
das cláusulas estabelecidas seria a proibição por 30 anos de novos
empréstimos.
Uma saída inteligente, tanto do ponto de vista legal como diante da
realidade política de nossa democracia. Os devedores teriam um grande
alívio no serviço da dívida, que pressionava seus Orçamentos, ao custo
de não mais se endividarem no futuro. Como os políticos se movimentam
olhando para o presente, e não para futuro, a adesão à proposta do
governo federal foi total e entusiasmada.
Para fazer a federalização das dívidas ainda mais palatável, aos olhos
dos governadores de então, foi criado um programa no BNDES para
antecipar recursos de futuras privatizações de empresas públicas de
propriedade dos Estados, principalmente nas áreas elétrica e bancária.
Com isso adicionava-se à chamada responsabilidade fiscal de Estados e
municípios uma lufada de responsabilidade econômica e financeira em
estatais importantes.
O sucesso da adesão voluntária à federalização das dívidas estaduais foi
um dos pilares mais importantes para que, algum tempo depois, o
Congresso aprovasse o arcabouço definitivo das regras de gestão fiscal
no Brasil de hoje. Para medir esse sucesso, basta olhar para os
Orçamentos dos Estados brasileiros nestes 18 anos que nos separam
daquele momento.
Mas, por um erro cometido pelo Ministério da Fazenda, os juros cobrados
na renegociação foram elevados demais, o que fez com que os saldos
devedores das novas dívidas, mesmo com os pagamentos anuais realizados,
crescessem de forma insuportável.
Por isso a questão da renegociação das condições pactuadas em 1997
passou a fazer parte das pautas de reivindicações da classe política já
há alguns anos. Uma obra quase perfeita ficou assim maculada pela visão
eminentemente financeira da equipe de Malan.
Hoje, nas condições de fraqueza do Executivo, as tensões acumuladas ao
longo dos anos pelo custo excessivo da dívida federalizada desembocaram
no projeto de lei aprovado que corrige seu saldo devedor. Com isso o
Tesouro Nacional terá uma perda significativa tanto no fluxo anual de
recebimentos daqui para a frente como no volume de ativos a receber e
que é descontado do total da dívida pública federal.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014





0 comments:
Postar um comentário