por Carlos Heitor Cony FOLHA DE SÃO PAULO
A troca de dossiês, jornais contando os podres de uns e outros, a
suspeita generalizada e, em parte, confirmada de que o clima geral é de
corrupção, obrigam-me a uma paráfrase de Stendhal –autor de minha
devoção.
Fez um de seus personagens dizer: "Na França, cometem-se crueldades, mas
sem crueldade". Adaptando a frase para a nossa vida pública: no Brasil,
cometem-se desonestidades, mas com honestidade.
Podia ser um paradoxo, mas quando Marco Antônio, no funeral de César,
disse que todos os conspiradores eram homens honrados, estava sendo
lógico e não havia contradição no que dizia. Um pouco de ironia, talvez,
mas, no fundo, elogiando a honestidade de Brutus "and the rest",
inclusive o poeta Cina pelos seus "bad versus".
Um décimo, um centésimo de verdade nas acusações que andam por aí, de um
lado para outro, bastaria para configurar a progressiva decadência
moral de nossa vida pública. Certo que as exceções são muitas, mas os
homens verdadeiramente honrados nunca sabem o que pode vir pela frente.
Na dúvida, cada um fica na sua.
A cobertura que a mídia vem dando aos futuros sobas, que esperam as
próximas eleições, demonstra a voracidade de alguns políticos que se
consideram a reserva técnica para o que der e vier. Lula, Temer e FHC,
cada um a seu modo, e a própria Dilma, que atravessa a escura noite da
alma (estou citando San Juan de la Cruz), esperam as surpreendentes
voltas do destino e da política para se colocarem à disposição da
pátria.
E enquanto se discute em generoso destaque e com suspeita insistência a
linha de partida, como na Fórmula Um, brotam as informações de que tudo
vai mal para alguns e nunca o Brasil esteve tão próspero para outros.
Não pagamos as dívidas velhas e deixamos que as novas se tornem velhas.
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