por Fernando Gabeira O GLOBO
Não sei o que é pior: fingir que não viu ou levar tanto tempo para descobrir
Quando Dilma assumiu pela segunda vez, alguns analistas afirmaram que
enfrentaria uma tempestade perfeita, tal a configuração de fatores
negativos que a cercavam. Esses analistas não contavam ainda com a
desaceleração chinesa nem com a tempestade das tempestades: o El Niño,
que deve ser intenso este ano. Hoje, é possível dizer que Dilma enfrenta
uma tempestade mais que perfeita. Além dos fatores habituais, economia e
política, ela terá de se preparar para grandes queimadas no Norte e
inundações no Sul do Brasil.
Como deputado, trabalhei no tema El Niño em 1998. Não se consegue
impedir as consequências do aquecimento do Pacífico Sul. Com alguma
preparação adequada é possível atenuá-las. Usando a velha tática
petista, quando o El Niño chegar, o governo vai sair gritando: “toma que
o filho é teu”.
Ela decidiu agora que seu próprio secretario pessoal será o articulador
político. Isso me lembra uma peça de Harold Pinter: dois andarilhos
entram numa cozinha de restaurante e, de repente, começam a surgir
pedidos de pratos suculentos. Na magra mochila de viagem, tentam achar
algo que possa pelo menos atenuar a pressão dos pedidos.
Dilma está tirando da sua mochila um secretário pessoal para ser a
interface com as raposas do Congresso. Certamente vão devorá-lo, com o
mesmo apetite dos índios que comeram o bispo Dom Pero Sardinha no
litoral brasileiro. Dilma e o PT estão fazendo um aprendizado doloroso
com as palavras. Em certos momentos criam uma nova língua; em outros,
limitam-se a cortar as frases a machadadas. Dizem, por exemplo: “nunca
um governo investigou tanto a corrupção”. Mas hesitam horrorizados
diante da conclusão lógica: descobrimos que somos nós os culpados.
Pela primeira vez, Dilma mencionou o assalto à Petrobras, lamentando o
envolvimento de algumas pessoas do PT. O tesoureiro do partido está
preso. Tantos anos de assalto. Dilma custou a reconhecê-lo. Meses
depois, está desapontada porque havia gente do PT. Não sei o que é pior:
fingir que não viu ou levar tanto tempo para descobrir.
Dilma disse que não pode garantir que 2016 será maravilhoso. Claro que não pode.
Primeiro porque os fatos econômicos apontam para um ano difícil.
Segundo, porque em 2016 ninguém sabe onde ela estará. “Demorei a me dar
conta da gravidade da crise”, disse ela. Era um governo de idiotas ou de
mistificadores? Como não se dar conta de uma realidade ululante?
Valeria entrevistar agora aquela assessora do Santander que descreveu a
crise. Perseguida pela campanha de Dilma e pelo próprio governo, acabou
sendo demitida pelo banco. Como será que ela reagiu à desculpa
esfarrapada? Naquele momento, Dilma não apenas demorava a se dar conta
da crise. Considerava descrevê-la como um ato de terrorismo eleitoral.
Dilma recusou-se a reduzir ministérios. Agora, aparece um ministro
dizendo que vão cortar dez, mas não menciona quais nem quando. O
discurso do governo é apenas cascata. A própria Dilma é uma cascata,
inventada por Lula. Dirigiu o setor de energia no Brasil, com fama de
gerentona. Deu quase tudo errado, do preço da conta de luz à ruína da
Petrobras.
Essa história de coração valente é um mito destinado a proteger a
roubalheira de agora com o manto de uma luta pretérita. É uma versão
atenuada dos braços erguidos de Dirceu ao ser preso pela primeira vez.
Há varias razões para se respeitar o passado. Uma delas é realçar a
necessidade da luta contra o governo militar, reconhecendo, no entanto,
na luta armada um equivoco histórico. E no seu objetivo estratégico, a
ditadura do proletariado, uma aberração que os tempos modernos
desnudaram com absoluta nitidez.
Como um personagem do teatro do absurdo, Dilma vai continuar buscando na
mochila vazia respostas patéticas para as demandas complexas que o
momento coloca.
Muita gente acha que não há motivo para impeachment. Mas o Ministro
Gilmar Mendes, pelo menos ele, teve o cuidado de examinar as
irregularidades de campanha e propor um cruzamento com os dados da
Lava-Jato.
O Brasil é dirigido por um governo que transformou a política numa
delinquência institucional. O país acaba de descobrir o maior escândalo
de corrupção da História. Gilmar Mendes apenas colocou o ovo de pé:
houve um grande escândalo de corrupção que beneficiou o PT. Dilma fez
uma campanha milionária. Depoimentos do Petrolão indicam que o dinheiro
foi para a campanha. Empresas fantasmas já apareceram. Por que não
investigar o elo entre a campanha de Dilma e as revelações da Lava-Jato?
Não se trata de ser contra ou a favor. Trata-se apenas de não sentar nos
fatos, Como velho jornalista, sei que os fatos são como baioneta:
sentando neles, espetam.
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