Opinião J. R. Guzzo: Publicado na versão impressa de VEJA
José Dirceu fecha enfim o seu ciclo na
paisagem pública brasileira. Acaba onde começou: numa prisão. Em outubro
de 1968, aos 22 anos de idade, entrou em cena ao ser preso num
congresso clandestino de estudantes no interior de São Paulo. Na semana
passada, apanhado nessa prodigiosa chacina que a corrupção criou dentro e
em torno da Petrobras, estava de volta à cadeia, desta vez num xadrez
da Polícia Federal de Curitiba, para o ato final de sua jornada. Há uma
gelada melancolia nisso tudo. Entre um momento e outro, Dirceu investiu
47 anos na luta sem descanso pelo poder. Chegou lá, depois de esforços
maiores do que prometia a força humana, em 2003, quando o Partido dos
Trabalhadores emergiu como a principal força política do Brasil ─ mas ao
chegar conseguiu ficar apenas dois curtíssimos anos, lançado ao mar
pelos companheiros nas primeiras trovoadas do que viria a ser o
mensalão.
Quando começou a subida, José Dirceu era visto
como um herói pela esquerda brasileira; sequestraram um embaixador dos
Estados Unidos, nada menos que isso, para resgatá-lo da prisão do
governo militar onde estava em setembro de 1969 e permitir assim sua ida
para o exílio em Cuba. Agora, ao ser preso na Operação Lava-Jato,
querem mais é que ele fique lá mesmo na cadeia. Ao entrar no prédio da
Polícia Federal em Curitiba, tudo a que teve direito foi uma vaia de
algumas dezenas de manifestantes. Não apareceu um único amigo, militante
ou movimento social para lhe dar apoio; no dia de sua prisão o
“exército do MST”, que ainda outro dia o ex-presidente Lula ameaçava
botar na rua para defender “o projeto do PT”, estava empenhado em gritar
“fora Levy” numa baderna no Ministério da Fazenda, em Brasília. É o que
temos.
É uma dessas ciladas da vida o fato de que os
problemas mais sérios de Dirceu com o sistema carcerário brasileiro não
aconteceram durante o período sem lei em que a justiça era feita dentro
dos quartéis; são de hoje, em pleno vigor das liberdades, do direito de
defesa e do reinado do PT. Dirceu ficou preso pouco menos de onze meses
no governo militar que tanto combateu. Agora, no governo em que tanto
mandou, já está cumprindo pena há mais de vinte, desde 15 de novembro de
2013; ficou preso até 4 de novembro de 2014 em Brasília, na
Penitenciária da Papuda e em regime semiaberto, depois em sua casa, e no
momento está de volta à prisão fechada.
Há comparações ainda mais tristes. No passado
Dirceu esteve preso por ser “um combatente da resistência contra a
ditadura”. Hoje está na cadeia por conta da “Operação Pixuleco”,
cortesia do companheiro João Vaccari Neto ─ é a isso que foi reduzido.
Até pouco antes de ir para a Papuda, recebia em seu escritório o
ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli e era um dos colaboradores
favoritos entre os magnatas da empreitagem de obras públicas. Quando ele
foi despachado para a PF de Curitiba, os peixes gordos tinham sumido
por completo do seu pesqueiro. “Libertar Dirceu” de sua primeira prisão
foi um ponto de honra para toda uma geração da esquerda nacional.
Na semana passada não era nada: não deu para
levantar o braço esquerdo chamando os companheiros “à luta”, como fizera
menos de dois anos atrás, porque não havia em volta nenhum companheiro
disposto a lutar por ele nem a gritar “guerreiro do povo brasileiro”.
Mais que tudo, talvez, Dirceu viu os chefes petistas, que o bajularam
durante anos, renunciarem às regras mais elementares da decência comum
neste seu momento de infortúnio. Lula ficou absolutamente mudo. O
Palácio do Planalto não disse sequer uma palavra ─ numa reunião feita
ali no dia da prisão, segundo o ministro da Defesa, o assunto “não foi
tratado”. Com Dirceu já preso, o PT conseguiu escrever duas declarações
oficiais inteirinhas sem citar uma única vez o seu nome.
O fim da linha para José Dirceu chega num momento de terremoto
político em formação acelerada. Dilma Rousseff já não governa ─ deixou o
poder por abandono de cargo, já há bom tempo, por capitular diante da
corrupção descontrolada que destruiu seu governo e por sua inépcia
terminal para a função de governar qualquer coisa. Lula não é mais que
uma sombra assustada, que há muito se preocupa apenas com a própria
sobrevivência. O PT, enfim, solta notas com atividade cerebral próxima
ao zero, nas quais transforma em bomba terrorista um buscapé de São João
jogado contra o Instituto Lula, fala em “avanço da direita” e não
consegue mostrar nenhuma ideia coerente em sua defesa. Junto com a
despedida de Dirceu, é o velório em câmera lenta de um partido e de um
governo que optaram pelo suicídio.EXTRAÍDADEAUGUSTONUNESDIRETOAOPONTOVEJA





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