por Miriam Leitão O GLOBO
Ninguém sensato ignora 800 mil pessoas nas ruas, em um domingo,
protestando no meio de uma crise desta dimensão e contra uma presidente
que tem um índice tão alto de rejeição. O governo pode fazer cara de
paisagem e divulgar avaliação de que não foi tão ruim quando se temia,
mas foi ruim o suficiente para um governo fraco, com a base esfacelada, e
uma economia em recessão.
Os protestos tiveram mais foco. Foram contra o governo Dilma, o PT,
Lula, e a favor da Lava-Jato. A figura central do apoio não é um
político, ou partido de oposição, mas sim um juiz de primeira instância
que tem assombrado o Brasil com a firmeza dos seus despachos, sentenças e
palavras. Tudo isso tem que estar no radar de análise do governo e da
oposição.
É a terceira vez que os brasileiros vão às ruas em cinco meses e isso
não é trivial. Achar que só seria importante se o número fosse maior do
que o da manifestação de março é uma forma aritmética de avaliar o que
já está evidente. Antes, só o PT era capaz de levar multidões para as
manifestações. Em junho de 2013, foi uma explosão impressionante que
revelou o início de um novo momento. Ainda assim, o eleitor deu mais uma
chance para a presidente Dilma e o PT.
Desde a eleição, a crise apareceu em toda a sua dimensão. Ela fora em
grande parte escondida por razões eleitorais. De lá para cá, aumentaram
também as revelações da Lava-Jato. O que era uma insatisfação difusa no
primeiro ato, de março, contra o desconforto econômico, o tarifaço da
energia, as mentiras da campanha, ficou mais focado, desta vez. A
palavra impeachment apareceu de forma mais frequente, e o apoio à maior
operação anticorrupção do país, também.
Será fatal se o governo subestimar os eventos do último domingo achando
que são apenas manifestações de eleitores identificados com os
candidatos que perderam as eleições. As pesquisas de opinião, e qualquer
conversa de rua, demonstram que os eleitores de Dilma estão, em sua
maioria, decepcionados com a presidente, por estar fazendo o que acusou
os adversários de planejarem. Além disso, como todo o país, os eleitores
da presidente estão sentindo a inflação, que subiu rapidamente este
ano, e a recessão, que se aprofundou.
A mistura é explosiva: decepção, desconforto econômico e rejeição. E
esse quadro ficou mais nítido depois de domingo, porque se disseminou
pelo país em protestos que alcançaram 205 cidades. Numa democracia, é
normal pessoas discordarem, mas também numa democracia é natural que o
governo ouça as ruas, entenda o recado, faça algo a respeito. Não basta a
presidente dizer que jamais renunciará, e que sua história de vida é de
aguentar pressão. A imensa maioria do país acha que o governo é ruim ou
péssimo e apenas um número muito ralo permanece apoiando Dilma. Um
apoio tão fraco aumenta a fragmentação e a infidelidade da base
parlamentar e produz esse excesso de ruídos que o país tem visto entre o
governo e os partidos que participam da coalizão oficial.
Reler agora as páginas da sabatina dos colunistas deste jornal com a
então candidata Dilma Rousseff dá uma ideia de como os fatos estavam
sendo escamoteados. Dilma fugiu da pergunta sobre como iria enfrentar a
inflação e a estagnação falando em números negativos nos Estados Unidos e
na Alemanha. Os dois países estão crescendo este ano, principalmente os
EUA, e o Brasil está com queda do PIB. Perguntada sobre preços de
gasolina e energia, ela negou defasagem na energia elétrica, disse que a
gasolina não seguiria preço internacional. Sobre Petrobras e corrupção,
ela também encontrou palavras para não responder. Ao falar dos
problemas da coalizão, aproveitou para dizer que a proposta de Marina de
“governar com os bons” significava prescindir de partidos, o que nos
levaria à ditadura. Dilma seguiu um roteiro de como escapar das
perguntas e dizer meias verdades.
Governar é enfrentar a hora da verdade. A situação econômica piorou, e
não por eventuais problemas externos, a energia, a gasolina e os juros
subiram, a crise política ficou aguda, e a investigação contra a
corrupção revelou as ligações perigosas do PT e do governo. Para sair
desta situação, Dilma precisará ter uma estratégia, o que ainda não
demonstra ter.
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