Rubens Barbosa* - O Globo
Esse quadro se deteriorou ainda mais com Nicolás Maduro, depois da morte de Hugo Chávez, pela crescente escassez de alimentos, desvalorização da moeda, inflação galopante (estimada em 189% em 2015) e crescimento negativo (cerca de 7%).
Na área política, a situação não é menos dramática. O governo bolivariano controla totalmente o Legislativo e o Judiciário. Nas últimas eleições, o candidato da oposição Henrique Capriles teria vencido, se as alegadas fraudes tivessem sido apuradas de forma transparente e democrática. A oposição está dividida e, de forma crescente, reprimida. Muitos de seus líderes estão presos e outros foram cassados sem julgamento.
A corrupção e as alegações de narcotráfico com a participação de membros do governo aumentam, com militares e civis acusados de participar dessas atividades ilícitas. Segundo o Wall Street Journal, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, estaria sendo investigado pelas autoridades de Washington pelo envolvimento no tráfico de drogas. O presidente Barack Obama, por essa razão, impôs sanções a grande número de funcionários venezuelanos, proibindo seu ingresso nos EUA.
As Forças Armadas estão aparentemente unidas no apoio ao governo socialista e contam com a assistência e a instrução de força de segurança cubana. O regime venezuelano tem recorrido ao apoios da China, da Rússia, do Irã e do Brasil para sobreviver. As fricções com a Guiana em torno de território contestado se agravam. A Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) não interferem, já que a Venezuela, com o apoio dos países sul-americanos, prefere utilizar a União de Nações Sul-americanas (Unasul) para tentar reduzir as tensões políticas internas. Recentemente, por pressão da Unasul, inclusive do Brasil, houve um avanço concreto com a convocação para dezembro de eleições parlamentares, ameaçadas de adiamento pela baixa popularidade governamental (abaixo de 20%) e pelo risco concreto de derrota do governo. Os resultados dessa eleição poderão ser o estopim da crise mais grave.
O Brasil já sente as consequências da crise: o intercâmbio comercial está em queda em virtude das restrições cambiais e companhias brasileiras, inclusive as construtoras, não estão sendo pagas. O governo tem sido solicitado a fornecer mais alimentos para consumo da população venezuelana, conforme se noticiou durante a visita do controvertido Diosdado Cabello, que foi recebido pelo ex-presidente Lula e pela presidente Dilma. No âmbito do Mercosul – que se reuniu na semana retrasada e decidiu pela continuação das restrições comerciais –, o governo do PT terá de se posicionar, se houver "ruptura da ordem política", e aplicar a cláusula democrática, com a suspensão da Venezuela do Mercosul. Recentemente, duas comissões de parlamentares brasileiros visitaram Caracas: uma, integrada por representantes da oposição, foi impedida de sair do aeroporto e cumprir programa de visitas que incluía encontros com o governo, com a oposição e com presos políticos; outra, formada por representantes da base de apoio ao governo do PT, conversou com o governo de Maduro e, na volta, produziu um relatório dando conta da total normalidade da situação política e econômica no país.
Nesse cenário, o governo brasileiro – que mantém, por afinidade ideológica, firme apoio ao socialismo bolivariano – deveria se preparar para as possíveis implicações sobre nossos interesses. Como mitigar as consequências de uma situação que fuja do controle das autoridades de Caracas, produza refugiados, que passarão para o nosso território, e que aumente a violência terrorista e o crime organizado, sobretudo o tráfico de drogas? A defesa da fronteira e ajuda humanitária já deveriam estar sendo preparadas.
O Brasil não terá como fugir de suas responsabilidades de líder regional. A crise – que, parece, se avizinha – terá de ser enfrentada levando em conta a defesa da democracia e dos direitos humanos sem restrições ou qualificações. As afinidades ideológicas devem cessar quando as práticas de opressão política silenciam as vozes que pedem liberdade e ordem interna. Mais cedo do que se espera, a política externa do governo do PT vai ser testada pelos acontecimentos na Venezuela.
*Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
EXTRAÍDADEAVERDADESUFOCADA
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