José Augusto Guilhon Albuquerque O ESTADO DE SÃO PAULO
As manifestações de 15 de março, inesperadas por seu volume e seu
alcance, confirmam o risco de apagão econômico, político e moral do
atual governo. O mesmo se pode dizer da reação titubeante e
autodestrutiva da Presidência e do PT. De forma cega e compulsiva a
presidente Dilma repete a mesma trajetória: dobra as mesmas apostas
equivocadas, culpa Deus e o diabo pelos efeitos desastrosos, nega que
exista algum problema, redobra as mesmas apostas, e assim
indefinidamente. Com efeitos fulminantes na opinião pública, que já
mostrou cabalmente que já não aceita Dilma como primeira mandatária da
Nação. Mais que isso, a imensa maioria da sociedade brasileira já não
tem paciência para aturar outros quatro anos de desgoverno.
Basta ver pesquisa divulgada recentemente pelo Datafolha em que a
avaliação negativa de seu governo chegou a quase dois terços dos
brasileiros, numa rejeição sem precedentes desde o impeachment do
presidente Collor, a qual se reproduz em todas as regiões do País e em
todas as categorias de renda e escolaridade. Os mesmos palacianos de
sempre repetem a ladainha da fotografia, que mediria apenas o momento.
Na verdade, não é um retrato, mas uma série de radiografias em que uma
mancha suspeita, inicialmente pequena, se revela uma massa em
crescimento desordenado. A rejeição ao seu governo cresceu quase quatro
vezes, de 17% para 62%, nos três primeiros meses de seu mandato e apenas
nos dois primeiros dias após as manifestações aumentou quase 50%.
Mais preocupante foi o suposto vazamento de um documento palaciano,
atribuído ao então ministro da Comunicação, que expõe impiedosamente as
causas do enfraquecimento inexorável da presidente e apresenta um
diagnóstico ainda mais sombrio de sua trajetória, mostrando seu
isolamento e sua aparente incapacidade de aprender com os erros
cometidos. O que espanta não é o documento revelar impudicamente o uso
da máquina pública para fins partidários - isso já não surpreende
ninguém -, mas que se recomende maior exposição da presidente e mais
propaganda, apesar da reação de repúdio que suas aparições em público
têm suscitado. O fato é que iniciativas do próprio governo (ministros da
Educação e da Comunicação) e batalhões inteiros do "exército do
Stédile" (no caso, o MST) coincidam em debilitar ainda mais a presidente
em seu momento mais crítico.
A sociedade dá claros sinais de impaciência e quer resultados palpáveis,
não aceita pagar a conta do desmando, enquanto o governo se poupa de
arrumar a própria casa. Seria o caso de pedir sua renúncia, de propor
seu impeachment ou de tentar virar a mesa, como uma ínfima minoria
raivosa e desinformada pretende?
Ao PT e ao seu governo interessa fazer um grande amálgama entre a
manifestação de insatisfação generalizada da sociedade com o governo,
expressa em dezenas de palavras de ordem, convergentes, mas distintas, e
um suposto golpismo. Mas se a presidente não recuperar rapidamente um
mínimo de credibilidade e sangrar até o fim, o custo para a estabilidade
da economia e da sociedade será demasiado.
A menos que os partidos de oposição insistam em brincar de
esconde-esconde com o governo, um acobertando-se atrás das massas e
outro, atrás dos "exércitos" paragovernamentais, está na hora de
exercerem seu dever de liderar, oferecendo alternativas ao caos.
Do ponto de vista legal, o impeachment é previsto na Constituição e sua
solicitação é prerrogativa de todo cidadão no gozo de seus direitos
políticos. Sem base constitucional e sem um rigoroso processo de
investigação e deliberação sobre sua conveniência política e moral, o
impeachment só se presta a banalizar um instrumento constitucional
destinado a solucionar crises de altíssima gravidade.
Por isso mesmo a opção popular pelo impeachment só constitui golpismo
para os que consideram golpe discordar, manifestando seu julgamento
moral e político sobre os governantes. Golpismo o PT sabe muito bem o
que é, pois usou essa tática contra todos os chefes de Estado não
petistas desde a redemocratização e neste mesmo instante contribui
descaradamente para o desgaste da presidente.
Seria politicamente irresponsável levantar a bandeira do impeachment ou
pedir sua renúncia sem levar a sério o atual contexto. O objetivo
político do impeachment não é punir governantes, nem se esgota em
afastar um mandatário. Consiste essencialmente em restabelecer a
segurança institucional, isto é, preservar as condições políticas de
sustentação do Estado Democrático de Direito e a capacidade governativa
no day after.
Montesquieu, ao falar sobre a República, afirmava que o povo, embora não
consiga ocupar-se da gestão direta do governo, porque é multidão, sabe
muito bem distinguir os bons dos maus generais. Se quatro em cada cinco
cidadãos não confiam na generala nem em seus lugar-tenentes, é muita
prepotência tentar desqualificar esse julgamento do povo.
Dito isso, não nos iludamos, uma classe política - isto é, o conjunto
dos eleitos para os diferentes níveis de governo e os executivos
governamentais e partidários - não brota do nada. Deixadas a si mesmas,
manifestações de massa podem seguir de impasse em impasse em direção a
uma "primavera" ou uma "revolução colorida", e aos longos conflitos
fratricidas que as seguiram.
É necessário que as lideranças nacionais definam seus objetivos com
relação às eventuais saídas para a crise. Existem condições para uma
ampla coalizão interpartidária para garantir uma maioria segura nas
diferentes hipóteses de saída, como aconteceu na renúncia de Jânio, na
morte de Tancredo e no impeachment de Collor?
Se não existem, é necessário criá-las. Uma frente parlamentar, reunindo
setores moderados da oposição e os setores responsáveis da base do
governo, que não se submetem ao hegemonismo autoritário do PT e estejam
dispostos a salvar as instituições que juraram defender, é certamente
muito difícil. Mas só é impossível se não for tentada.
PROFESSOR TITULAR DA USP E PESQUISADOR VISITANTE NA UNICAMP
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014





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