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14:35
ANDRADEJRJOR
CARLOS AYRES BRITTO O ESTADO DE SÃO PAULO
O enigma da esfinge
(decifra-me ou te devoro) chegou repaginado para dona Dilma. O desafio
agora é: reinventa-te ou te devoro. Quem o faz já não é a conhecida
figura mitológica, mas um número cada vez maior de cidadãos brasileiros.
Cidadãos mais e mais informados, críticos, exigentes e que aprenderam a
correlacionar seus direitos com os deveres das autoridades públicas. A
traduzir que o País avançou em consciência de cidadania para muito além
da percepção dos seus governantes centrais e até mesmo de suas
instituições políticas. Estas, retratadas nas agremiações partidárias e
no Congresso Nacional; aqueles, nos agentes políticos e em especial na
pessoa da presidente da República.
É o descompasso dos dias
atuais. Os cidadãos não abrem mão de encarnar a sociedade civil, no que
estão certos. Já na Praça dos Três Poderes, nem a classe política está a
encarnar os meritórios fins de suas instituições nem as instituições
estão a encarnar a representação da sociedade civil. O resultado é que a
cidadania, cada vez mais consciente de si e de tudo o que se passa no
seu entorno, já percebeu o logro. O logro de que instituições e agentes
políticos se caracterizam por apenas representar que representam a
sociedade civil. Não encarnam essa representação. Deixam de ser eles
mesmos para se tornar personagens. Atores de uma peça de teatro que
muitas vezes vai do caricato (ou "baixo cômico", diria Tobias Barreto)
ao trágico social. Sem desconhecer que o Congresso, mesmo aos trancos e
barrancos, tem produzido leis intrinsecamente boas.
Seja como
for, o pior é que esse dominante malogro de representatividade política
associa ineficiência operacional a disfunções morais. O que não é
percebido apenas como o fruto de posturas conjunturalmente equivocadas,
mas de um modo distorcido de conceber e praticar a vida pública. Um tipo
arrevesado de mentalidade dirigente, para dizer o mínimo. O que já
significa um ponto de fragilidade estrutural do setor
público-representativo brasileiro. Um fosso muito mais largo e profundo,
portanto, entre os setores especificamente políticos do Estado e a
sociedade civil a que ele deve fielmente servir todo o tempo.
É
essa mentalidade distorcida que serve de combustível a um tipo
retrógrado de cultura e nessa cultura mesma se banqueteia. Gangorra ou
feedback do atraso mental. Do provincianismo colonial e dos privilégios
monárquicos do Brasil. A responder pela indistinção entre tomar posse
nos cargos públicos e tomar posse deles. Por um feudal aparelhamento do
Estado e por um quase grilesco loteamento de seus órgãos, entidades e
verbas orçamentárias. Pela renitência de coalizões partidárias
fisiológicas, e não propriamente ideológicas. Abocanho tão persistente
quanto sistêmico do patrimônio e dos dinheiros públicos. Uma grande
orquestra, enfim, dos que não perdem oportunidades e até as inventam
para duas deletérias coisas: refestelar-se em mordomias e fazer da
apropriação privada de bens e valores estatais uma "impudente festa"
(Castro Alves) da mais rançosa tradição patrimonialista, clientelista e
populista.
Pois bem, como a atual presidente é simultaneamente
chefe de governo e de Estado, dirigente superior de toda a administração
pública federal, comandante supremo das Forças Armadas, principal
sujeito das relações do Poder Executivo com o Congresso, agente e
artífice das relações internacionais do Brasil, hierarca maior da
administração tributário-fazendária, nomeante do presidente e dos
diretores do Banco Central, do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal, em suma, o povo brasileiro passou a entender que ela é
quem mais tem culpa no cartório pela baixa qualidade ético-funcional da
vida pública brasileira. Passou a entender que a ela cabe recolocar o
País nos eixos. Política, econômica e eticamente. Deflagrar com urgência
e descortino, a partir de sua base parlamentar e partidária, o processo
de fidelização dos políticos às suas instituições e das suas
instituições às respectivas finalidades. Chamar a si o encargo de
cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis, com todo o rigor e
devoção, pois o bom exemplo sempre deve começar de cima. Bônus e ônus em
equilibrado peso.
É aí que a presidente da República tem de se
reinventar. E tem de se reinventar porque lhe incumbe mudar sua própria
mentalidade quanto às coisas do poder e da política. Sair da zona de
conforto da tradição clientelista para se contrapor vigorosamente à
ideia corrente de que é por cooptação ou modo argentário que se
estrutura o diálogo institucional com o Legislativo e os partidos. Para
rechaçar o modelo também promíscuo do financiamento empresarial de
partidos e campanhas eleitorais como forma habitual de reforço de caixa
dos donatários e de sobrepreço dos contratos dos doadores. Mudar a
presidente, então, como agente estatal, militante partidário e até como
pessoa, se necessário, para que suas concretas condutas ganhem o caráter
de sustentáveis. O que passa a significar, mais que simples mudança,
autêntica transformação ("transformação é uma porta que se abre por
dentro", ensinou Shakespeare). Logo, o desafio da primeira mandatária do
País é elevar-se de chefe a líder. De gerente a estadista. De inquilina
do Palácio do Planalto a protagonista central da História.
Tendo
o discernimento e a coragem de tudo começar por onde exige mesmo a
cidadania: a decisiva compreensão de que o tal do custo-Brasil é alto
porque o casto-Brasil é baixo. Que não é senão a lição de que "a arte de
governar consiste exclusivamente na arte de ser honesto", como pontuava
Thomas Jefferson. Seguro modo de encarar e vencer o ultimato popular do
"reinventa-te ou te devoro". Para o bem de S. Exa., do Estado e da
sociedade civil brasileira. Para que todos juntos pratiquemos a
filosofia da abundância cooperativa que nos levará a fazer da queda
iminente um altivo levantar-se até os mais altos patamares da nossa
consciência de nação definitivamente democrática. A palavra está com
dona Dilma. É pegar ou largar, pois nesse transe da vida brasileira não
há mais espaço para vacilo, meias-palavras, faz de conta. A hora é de
fazer destino e o tempo já se blindou contra qualquer tentativa de
prorrogação.
EXTRAÍDADAVARANDABLOGSPOT
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