por José Serra o estado de são paulo
Nas próximas semanas o Congresso Nacional se pronunciará sobre um
projeto de lei que, se for aprovado, dará início a mudanças profundas na
política brasileira: a implantação do voto distrital nas cidades com
mais de 200 mil eleitores. Nesses municípios - cerca de 90 - vivem 38%
dos eleitores brasileiros. A chance de esse projeto ser aprovado é
grande, até porque a mudança pode ser feita por lei ordinária, aprovada
por maioria simples no Senado e na Câmara.
Tomemos como exemplo a cidade do Rio: se o projeto virar lei, ela será
eleitoralmente dividida em 51 distritos, de aproximadamente 95 mil
eleitores. Cada um deles elegerá um vereador. Como consequência, os
custos de campanha cairão vertiginosamente, aumentará a
representatividade do vereador e o eleitor dos distritos poderá
acompanhar o atuação do eleito. Esse novo sistema tem tudo para dar
certo e para influenciar a redefinição do processo de escolha de
deputados estaduais e federais.
Esse projeto de lei sobre o voto distrital é um dos seis que já
encaminhei no Senado. Propus ainda a extinção das Mesas das casas
legislativas brasileiras: Câmaras municipais, Assembleias Legislativas,
Câmara dos Deputados e Senado. Por quê?
Em países como EUA e Chile, a direção dos respectivos Parlamentos é
exercida pelo presidente eleito por seus pares, que escolhem também um
ou dois vice-presidentes. E pronto! No Brasil, a tradição e a prática
levam à eleição de um time completo. Em todas as casas legislativas há
um presidente, vice, secretários e suplentes. A cada dois anos é feita
uma composição entre partidos e indivíduos, dando margem a um
troca-troca na repartição dos cargos que nada tem que ver com os
eleitores, com o interesse público ou com programas de governo.
E tudo isso para quê? Para nada, exceto aumentar as despesas, pois o
parlamentar que integra a "Mesa" dispõe de mais funcionários, nomeações e
outras regalias. Ironicamente, aqueles que trabalham com seriedade, e
são muitos, empregam seu tempo em atividades administrativas rotineiras
que nada têm que ver com seus eleitores e deveriam ser exercidas pela
burocracia dos Legislativos.
O terceiro projeto apresentado estabelece que a receita do PIS-Cofins
cobrado sobre as atividades de saneamento básico seja investida no setor
e no Estado onde foi gerada. É isto mesmo: por incrível que pareça,
existe hoje uma tributação mórbida que incide sobre as empresas que
cuidam da água e do esgoto. São R$ 2 bilhões por ano, surrupiados de
atividades essenciais para a saúde da população.
O quarto projeto cria a Nota Fiscal Brasileira (NFB), baseada na
experiência da Nota Fiscal Paulista. Neste caso, trata-se da devolução
aos consumidores de 30% do imposto estadual ao valor adicionado (ICMS)
nas vendas a varejo. Pois bem, a NFB permitirá que seja devolvido pela
Receita Federal o equivalente à metade do crédito já concedido pelo
Estado. Essa contrapartida ampliará o estímulo à exigência de notas
fiscais e diminuirá ainda mais a sonegação. A arrecadação como um todo
cresce, enquanto a carga tributária individual diminui.
O quinto projeto aborda uma questão crítica da economia brasileira,
talvez a principal: a fragilização wagneriana da Petrobrás, no bojo não
apenas da corrupção como método de governo, mas também, e sobretudo, do
irrealismo e até da irresponsabilidade do planejamento dos investimentos
da empresa.
Um aspecto desse processo sempre me chamou a atenção pela sofisticação
da inépcia e pela utilização do patrimônio público para fins puramente
eleitorais: a implantação do método da partilha na exploração das
reservas do pré-sal. Isso foi inventado em 2009/2010 com o propósito de
servir à eleição presidencial, pois poderia facilitar aquela polarização
que o marketing petista inventou e procurou exacerbar entre
"nacionalistas" e "entreguistas" para satanizar adversários.
A partilha sempre foi uma falsa opção porque o método das concessões,
estabelecido durante o governo FHC, funciona muito bem do ponto de vista
da prospecção, da exploração, das receitas obtidas e dos interesses
nacionais. O mais grave, porém, não foi o novo método, mas a obrigação
imposta à Petrobrás de assumir a exclusividade na operação de cada novo
poço aberto e aportar, no mínimo, 30% dos investimentos necessários. O
projeto lei que já apresentei suprime essas duas obrigatoriedades, que
agravaram os problemas financeiros e administrativos da empresa. E isso
se deu num contexto de represamento oportunista dos preços dos
combustíveis e de investimentos desastrados, como no caso das
refinarias. O resultado foi o endividamento exponencial da Petrobrás e,
aspecto menos lembrado, o atraso de cinco anos na exploração de reservas
existentes.
Por fim, elaborei um projeto impondo limites ao endividamento da União,
exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal que até hoje, passados 15
anos, não foi cumprida. Estados e municípios têm limites para suas
dívidas consolidadas, mas o governo federal, não. Obtive apoio da
maioria dos senadores para desarquivar um projeto de resolução (PRS) de
2007. Meu projeto será apresentado como substitutivo a esse PRS.
O objetivo é coibir abusos dos governantes de plantão, melhorar as
condições de solvência do setor público, facilitar o equilíbrio de longo
prazo das contas públicas e reduzir as despesas com juros. Os limites
impostos envolverão a dívida líquida e a dívida bruta da União, como
proporção de suas receitas líquidas.
Faço o rol desses projetos, entre outros que vou apresentar, para
demonstrar que é, sim, possível estabelecer uma agenda virtuosa quando
se sabe para onde se quer ir. Preocupa-me o clima de pessimismo, que
vejo aqui e ali, como se o Brasil vivesse uma espécie de mal-estar da
abastança, próprio de um país que tivesse resolvido todos os seus
problemas e pudesse se entregar ao luxo do tédio. Não! Existe, sim,
muito por fazer, desde que se tenha clareza de propósitos. Vale dizer:
nós vamos ocupar-nos da crise, não a crise de nós. Não temos tempo de
alimentar o tédio. Temos a urgência das mudanças, em muitas frentes de
batalha. À luta!
extraídadoblogrota2014
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