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07:31
ANDRADEJRJOR
REINALDO AZEVEDO FOLHA DE SÃO PAULO
Acho fascinante esta imagem: pessoas que se tornam 'vítimas de sua pró-pria concepção do mundo'
Com
todos os equívocos que abriga, o "18 Brumário de Luís Bonaparte", de
Karl Marx, é um dos grandes livros de política. É leitura obrigatória
para esquerdistas e conservadores. Nos anos recentes, estes têm se
dedicado mais à teoria do que aqueles, o que é natural: os oprimidos
costumam se preparar intelectualmente para a luta com mais afinco do que
os opressores, que tendem a substituir a formação pelo proselitismo
arrogante.
Quando eu era trotskista e quase criança, havia uma
disputa para ver quem sabia quase de cor "O Programa de Transição". Hoje
em dia, já percebi, as pessoas não decoram nem a batatinha-quando-nasce
da "revolução permanente", apesar da crença fervorosa. Ocorre que a
convicção que nasce da ignorância só produz fundamentalismo burro.
Adiante.
Por que o "18 Brumário"? Lá está uma das boas frases
sobre Luís Bonaparte, o sobrinho que seria o tio redivivo como farsa. O
tirano da oportunidade, segundo Marx, vestindo a máscara napoleônica,
"se torna vítima de sua própria concepção de mundo" e se transforma no
"bufão sério que não mais toma a história universal por uma comédia, e
sim a sua própria comédia pela história universal". A síntese,
concorde-se ou não com ela, é genial no sintagma, no arranjo de
palavras. Acho fascinante esta imagem: pessoas que se tornam "vítimas de
sua própria concepção do mundo".
Tenho lido o que escrevem
esquerdistas ilustrados sobre a derrocada do petismo. É evidente que não
perco meu tempo com blogs sujos, com pistoleiros da internet, com gente
incapaz de pensar com a coluna ereta --ou, nos termos celebrizados pelo
documento da Secom, ignoro a "munição" que é "disparada" pelos
"soldados de fora". Não! Se André Singer escreve nestaFolha, no entanto,
presto atenção ao que diz. Não lamento pelos outros. A Singer, dedico
duas furtivas lágrimas.
Poucos, como ele, são tão vítimas de sua
própria concepção de mundo. Singer avalia que Lula é a causa geradora de
um movimento que, potencialmente --e isto digo eu--, pode destruir o
próprio PT. Um esquerdista jamais acredita que possa existir algo de
novo sob o sol, exceto a antítese liderada pelas forças da reação ou a
dor necessária provocada pelas vanguardas disruptivas --nesse segundo
caso, ainda que a coisa toda possa ser desagradável no começo, utopistas
como Singer sugerem que a gente goza no fim... Nem que seja no fim da
história.
Tentei achar nos seus textos onde estão os sujeitos que
fazem história fora das hostes da esquerda. Não há. Ou os homens que
disputam as narrativas estão engajados num movimento que traz em si o
germe da mudança necessária ou estão articulando as forças da reação, o
que levaria o mundo a andar pra trás.
É impressionante que mesmo
os esquerdistas que leram mais de três livros ignorem que os valores do
homem médio --que, no fim das contas, asseguram a estabilidade disso que
entendemos como civilização-- também podem ser afirmativos, não apenas
reativos ou derivados da mobilização esquerdista. Bakunin, numa crítica
pela esquerda, apontava "a falta de simpatia" de Marx pela raça humana. A
crítica era pertinente. O furunculoso nunca se interessou pelo homem
que há, aquele que realmente faz história, mas sempre pelo homem a
haver, que existe como projeto.
O petismo perdeu o bonde. Também
perdeu a rua, como ficará claro, de novo!, no dia 12 de abril. O petismo
já morreu. Tornou-se vítima de sua própria concepção de mundo.
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