JOSÉ NÊUMANNE O ESTADO DE SÃO PAULO
Assim como fizera o cego
Tirésias, avisando ao general Júlio César que os idos de março poderiam
ser-lhe aziagos, não faltou quem aconselhasse mudança de atitude à
presidente Dilma Rousseff para ela recuperar poder e prestígio antes de
chegar um abril ainda pior. Segundo xeretas palacianos, seu inspirador,
pai político e profeta de plantão Luiz Inácio Lula da Silva o fez aos
berros. Ex-aliados, amigos de ocasião e adversários de sempre insistem
na tese, mas ela faz "ouvidos de Mercadante", no exato trocadilho do
professor Cláudio Couto.
Dois membros recentes de seu novo
primeiro escalão preferiram pular fora do bote furado antes que este
fizesse água em plena seca. No documento "sigiloso" encaminhado a ela
própria pelo secretário da Comunicação, Thomas Traumann, ficou patente a
confissão do pior dos crimes para uma gestão que se jacta de servir a
um real, embora debilitado, Estado Democrático de Direito: a mistureba
rastaquera do que é de César com o que é de Deus, ou do diabo: o culto à
personalidade, o interesse do partido e os cofres da Viúva. A confissão
pode ter passado batida na leitura do documento pela destinatária, mas
não dos pobres coitados da planície que bancam a farra, entre os quais o
autor destas mal traçadas linhas. Ao contrário de Brutus, que César
havia escolhido para sucessor, Traumann apunhalou-a à distância, sem dar
à chefona sequer a oportunosa ensancha de parodiar Suetônio: "Até tu,
Thomas?". Foi para o exterior, à espera de ter a traição premiada com o
doce abacaxi da assessoria de comunicação da Petrobrás arrombada.
Cid
Gomes estrelou "Os 300 de Sobral" em palco de circo mambembe, mas não
conta mais com a mão amiga dela. Chutou o balde da coalizão governista e
enfiou a peixeira no presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas
fez sangrar a "presidenta" no lado oposto da Praça dos Três Poderes.
Constatando a lorota da "Pátria Educadora", preferiu bancar o Jânio
Collor em 2018, esquecendo o malogro do mano Ciro em idêntica intentona.
Não
se sabe ao certo se foi Cid que preferiu desertar do exército dos que
combatem à sombra dos escudos inimigos ou se foi a "generala" que o
defenestrou. Mas não há dúvida alguma de que, como nunca antes aconteceu
na história deste país, o distinto público, que paga os vencimentos de
todos os personagens desta tragicomédia bufa, ficou sabendo da demissão
pela boca do presidente da Câmara, até então tido como desafeto. Como no
Flamengo x Vasco do Maracanã no domingo, o goleiro Oliva, filho e irmão
de briosos generais, rolou a bola no campo molhado para o ex-amigo de
Garotinho bater a gol (como Alecsandro, artilheiro rubro-negro) e correr
para a galera, com guarda-chuva e galocha.
Terá sido por isso
que esta semana começou com a notícia de que parte do conselho do padim
Lula de Caetés será aceita e o Freddie Mercury da dupla com Pepe Legal
Vargas ficaria no emprego, mas não seria mais o articulador político?
Ainda é duvidoso que a surdez aos apelos de aliados da coalizão possa
confinar o ministro ao gabinete na função de subcarimbador de colegas.
Não é pouco! Mas para quem se acha capaz de repetir a experiência de
Richelieu no Paranoá não deve ser muito agradável perder o poder de dar
as cartas na barganha. O eventual roque de Mercadante no xadrez do
Planalto, contudo, é lana caprina em comparação com a tarefa árdua que a
chefona do governo tem de amansar a massa.
Com 84% dos
entrevistados do Datafolha dizendo que acham que ela sabia da
roubalheira na Petrobrás, resultando em só 13% de quem avalia seu
governo de bom a ótimo, Dilma não terá vida fácil. Vai ser difícil
evitar que a maior concentração popular com a camisa da seleção (e
depois dos 7 a 1 da Alemanha!) da história nos idos de março seja
superada pela que se reunirá de novo nas ruas das cidades brasileiras em
12 de abril. O sangue de Traumann, Cid e Mercadante não saciará a sede
da massa.
Sem ter o diagnóstico certo do mal que assola sua
gestão, Dilma apelou para o receituário de sempre, aconselhada por algum
"assessor para assuntos aleatórios". Disseram-lhe que o povo não tem
foco, como se a miopia tivesse ido à rua, e não ficado, como ficou, no
palácio. Miguel Rossetto, o porta-voz de uma alocução só e o mais breve
de todos os tempos e em qualquer governo, disse que só protestou quem
não votou nela - uma absurda agressão sofrida pela velha aritmética
euclidiana. Pois se 62% dos entrevistados acham seu governo ruim ou
péssimo, não há como algum eleitor de Dilma - com 51,64% dos votos
válidos no segundo turno, segundo o Tribunal Superior Eleitoral - não
estar frustrado com madame.
Para tirar de foco o "Fora Dilma", o
governo tenta vender a ideia de que este foi um breve contra a
corrupção, uma queixa genérica. E, aí, ressurgiu a velha lorota do
pacote de leis anticorrupção, medida a que ela já tinha apelado na
resposta às manifestações populares de junho de 2013, na campanha
eleitoral e no discurso da vitória. Mas o advogado Modesto Carvalhosa
escreveu, em artigo publicado neste espaço anteontem, que o pacote
requenta iniciativas legais da ditadura militar (artigo 350 do Código
Eleitoral, de 1965) e do extinto ex-inimigo número um e atual aliado
preferencial Fernando Collor (a Lei da Improbidade Administrativa, de
1992, vigente). Um prato feito indigesto!
Para recuperar o fôlego
perdido Dilma deveria trocar seus traques juninos por bombas de
hidrogênio políticas. Implodir a coalizão de apoio, reduzindo o
Ministério de 39 para 13, número de seu Partido dos Trabalhadores (PT),
cuja estrela perdeu o fulgor, pode ser uma cartada para, pelo menos,
embaralhar o jogo. Outra seria nomear logo um ministro acima de qualquer
suspeita para completar o Supremo Tribunal Federal. Não se safará se só
se livrar da dupla aloprada Freddie Mercury e Pepe Legal. Mas esta não
será uma má ideia para tentar escapar - melhor do que chamar a crise pra
dançar!
EXTRAÍDODOBLOGAVARANDABLOGSPOT
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