Demétrio Magnoli FOLHA DE SÃO PAULO
Sondagens de opinião são ferramenta eficiente no marketing comercial e,
embora superestimadas, têm seu valor no marketing político. Usá-las,
porém, na interpretação de cenários sociológicos complexos equivale a
praticar cirurgias delicadas com faca de cozinha. Ouvindo manifestantes
do 15 de março, o Datafolha concluiu que a mensagem predominante foi o
repúdio à corrupção. O óbvio, no caso, é quase uma falsificação. Nas
ruas, os alvos evidentes eram Dilma Rousseff e o PT. Os protestos, de
dimensões históricas, foram muito além da generalidade sugerida pelo
instituto de pesquisa.
As Jornadas de Junho de 2013, deflagradas pela repressão a pequenas
passeatas contra reajustes de tarifas dos transportes públicos, não
foram "pelos vinte centavos". O tema da corrupção, emoldurado pela
paisagem da farra da Copa, é que movia multidões sem broches partidários
ou insígnias de "movimentos sociais". Naquele mês louco, contudo, os
protestos dirigiam-se contra toda a elite política, responsabilizada
pelo desvio de recursos públicos que deveriam ter como destino a
educação, a saúde e os transportes urbanos. O 15 de março refinou a
crítica, associando a corrupção a um governo e um partido. É por isso
que o Planalto treme.
Nas democracias, apuradas as urnas, o derrotado congratula o vencedor. O
gesto simboliza o reconhecimento do eleito como representante de todos,
inclusive dos que não votaram nele. O 15 de março assinalou a
deslegitimação de Dilma. Os manifestantes disseram que ela não é mais
vista como a presidente de todos, mas como a chefe (ou subchefe?) de uma
facção. A conclusão deriva tanto do escândalo na Petrobras quanto do
estelionato eleitoral. Na leitura das ruas, Dilma aceitou a
transformação da estatal em ferramenta de financiamento de um sistema de
poder e mentiu aos brasileiros sobre a economia.
O Brasil experimentou um levante contra uma engrenagem específica de
corrupção: a subordinação do Estado a uma facção política. A queda
vertiginosa dos índices de aprovação do governo revela que o 15 de março
espelha os sentimentos de uma maioria esmagadora, em todas as regiões e
classes de renda. As estratégias de reação do governo, sopradas por
Lula, interditam os estreitos caminhos de restauração da legitimidade
perdida.
"Nós contra eles." O "diálogo" de Dilma é com o PMDB e o lulopetismo,
não com a sociedade. Numa ponta, tentando refazer o tecido da base
aliada no Congresso, a presidente entrega o poder a Eduardo Cunha e
Renan Calheiros. A demissão de Cid Gomes, o boquirroto, é um marco na
instalação desse parlamentarismo bastardo, que equivale a um segundo
estelionato eleitoral. Na outra ponta, o Planalto manobra para aquecer a
base militante petista, piscando um olho para os órfãos da reviravolta
na política econômica. O documento sigiloso da Secretaria de Comunicação
da Presidência (Secom) ilustra esse impulso desastroso, que é o caminho
mais curto rumo ao impeachment.
O texto dos sábios da Secom é uma confissão de culpa. Nele, recomenda-se
violar os preceitos constitucionais sobre a publicidade oficial,
concentrando a propaganda federal em São Paulo para "levantar a
popularidade do Haddad" e, assim, "recuperar a popularidade do governo
Dilma". Paralelamente, sugere-se centralizar o comando da "guerrilha na
internet", coordenando as ações do governo, do PT e dos blogueiros
chapa-branca (os "soldados de fora", na precisa definição da Secom). É a
primeira admissão oficial de que a máquina estatal foi capturada por
uma facção política, discriminando os cidadãos segundo a cor da camisa
que vestem.
Dilma perambula, de olhos vendados, à beira do abismo. O anteparo que
ainda existe é a mureta erguida entre as ruas e os partidos de oposição,
um vestígio persistente das Jornadas de Junho. A chefe de facção perdeu
o controle sobre o seu destino.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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