Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 23 de março de 2015

"Fhefe de facção"

Demétrio Magnoli  FOLHA DE SÃO PAULO

Sondagens de opinião são ferramenta eficiente no marketing comercial e, embora superestimadas, têm seu valor no marketing político. Usá-las, porém, na interpretação de cenários sociológicos complexos equivale a praticar cirurgias delicadas com faca de cozinha. Ouvindo manifestantes do 15 de março, o Datafolha concluiu que a mensagem predominante foi o repúdio à corrupção. O óbvio, no caso, é quase uma falsificação. Nas ruas, os alvos evidentes eram Dilma Rousseff e o PT. Os protestos, de dimensões históricas, foram muito além da generalidade sugerida pelo instituto de pesquisa.
As Jornadas de Junho de 2013, deflagradas pela repressão a pequenas passeatas contra reajustes de tarifas dos transportes públicos, não foram "pelos vinte centavos". O tema da corrupção, emoldurado pela paisagem da farra da Copa, é que movia multidões sem broches partidários ou insígnias de "movimentos sociais". Naquele mês louco, contudo, os protestos dirigiam-se contra toda a elite política, responsabilizada pelo desvio de recursos públicos que deveriam ter como destino a educação, a saúde e os transportes urbanos. O 15 de março refinou a crítica, associando a corrupção a um governo e um partido. É por isso que o Planalto treme.
Nas democracias, apuradas as urnas, o derrotado congratula o vencedor. O gesto simboliza o reconhecimento do eleito como representante de todos, inclusive dos que não votaram nele. O 15 de março assinalou a deslegitimação de Dilma. Os manifestantes disseram que ela não é mais vista como a presidente de todos, mas como a chefe (ou subchefe?) de uma facção. A conclusão deriva tanto do escândalo na Petrobras quanto do estelionato eleitoral. Na leitura das ruas, Dilma aceitou a transformação da estatal em ferramenta de financiamento de um sistema de poder e mentiu aos brasileiros sobre a economia.
O Brasil experimentou um levante contra uma engrenagem específica de corrupção: a subordinação do Estado a uma facção política. A queda vertiginosa dos índices de aprovação do governo revela que o 15 de março espelha os sentimentos de uma maioria esmagadora, em todas as regiões e classes de renda. As estratégias de reação do governo, sopradas por Lula, interditam os estreitos caminhos de restauração da legitimidade perdida.
"Nós contra eles." O "diálogo" de Dilma é com o PMDB e o lulopetismo, não com a sociedade. Numa ponta, tentando refazer o tecido da base aliada no Congresso, a presidente entrega o poder a Eduardo Cunha e Renan Calheiros. A demissão de Cid Gomes, o boquirroto, é um marco na instalação desse parlamentarismo bastardo, que equivale a um segundo estelionato eleitoral. Na outra ponta, o Planalto manobra para aquecer a base militante petista, piscando um olho para os órfãos da reviravolta na política econômica. O documento sigiloso da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) ilustra esse impulso desastroso, que é o caminho mais curto rumo ao impeachment.
O texto dos sábios da Secom é uma confissão de culpa. Nele, recomenda-se violar os preceitos constitucionais sobre a publicidade oficial, concentrando a propaganda federal em São Paulo para "levantar a popularidade do Haddad" e, assim, "recuperar a popularidade do governo Dilma". Paralelamente, sugere-se centralizar o comando da "guerrilha na internet", coordenando as ações do governo, do PT e dos blogueiros chapa-branca (os "soldados de fora", na precisa definição da Secom). É a primeira admissão oficial de que a máquina estatal foi capturada por uma facção política, discriminando os cidadãos segundo a cor da camisa que vestem.
Dilma perambula, de olhos vendados, à beira do abismo. O anteparo que ainda existe é a mureta erguida entre as ruas e os partidos de oposição, um vestígio persistente das Jornadas de Junho. A chefe de facção perdeu o controle sobre o seu destino.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014

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