por Percival Puggina
Lembrei-me do livro Camaradas. Esse excelente trabalho de pesquisa e jornalismo, empreendido por William Waack sobre a Intentona Comunista de 1935, foi viabilizado quando a abertura dos arquivos de Moscou permitiu escrutinar com correção os fatos da época. O livro inicia com pequeno trecho de uma das peças teatrais didáticas produzidas por Brecht: "Quem luta pelo comunismo tem que poder lutar e não lutar, dizer a verdade e não dizer a verdade, (...) manter a palavra e não cumprir a palavra (...). Quem luta pelo comunismo tem de todas as virtudes apenas uma: a de lutar pelo comunismo".
Nessa obra (procure "The measures taken" para lê-la em inglês), Brecht, que era militante comunista, relata certa missão de propaganda durante a qual um jovem militante concorda com ser executado por seus camaradas para segurança da tarefa revolucionária. O coro, como a plateia do sujeito do PCB, louva a terrível decisão. Às infames lições citadas acima, o drama brechtiano, acrescenta que a benevolência faz mal à causa, que o coletivo sabe mais que o individual, que a rígida disciplina é indispensável à tarefa revolucionária, e por aí vai. Tais princípios abastecem os coletivismos, motivaram os genocídios sem os quais não se imporiam e são as muletas retóricas do discurso mencionado no início deste texto. Paredão!
Portanto, quando lhe falarem no tal coletivo, se não for ônibus, desembarque! Você pode ser atropelado por uma terrível ideia: nos coletivismos, o indivíduo e sua vida valem nada, absolutamente nada. Opondo-nos a isso, devemos reconhecer que temos, por natureza, uma real e preciosa existência social. Essa existência, todavia, deve ser vivida sem prejuízo da nossa individualidade. Somos dotados de liberdade, vontade, razão, responsabilidade e dignidade natural. Somos indivíduos, pessoas humanas, desde a concepção. É como indivíduo, pessoa divina, que Cristo irrompe na História. Será como indivíduos que nos apresentaremos ao Altíssimo para um juízo pessoal, não coletivo. Desconhecer, minimizar ou desfazer essa grandeza num coletivismo é reabrir as páginas mais trágicas e escabrosas do século 20.
ZERO HORA,
extraídadepuggina.org
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