por Carlos Alberto Sardenberg O Globo
Dizem que as crises políticas e econômicas, num dado momento, geram os
líderes necessários para sua solução. Dizem também que é muito difícil
antecipar quando esse momento está se aproximando, mas que a gente
percebe quando chegou. Pois no Brasil de hoje, parece o contrário. O
momento já está passando.
O senador Delcídio Amaral e o banqueiro André Esteves, dono do BTG
Pactual, foram presos, por determinação do Supremo Tribunal Federal, sob
a acusação de obstrução da Justiça. Mas as peças do processo mostram
que essa denúncia, embora muito grave, é até menor diante dos casos que
são ali mencionados.
Vamos reparar: o BTG Pactual não é um banco qualquer. É o maior banco de
investimentos do país, tem projeção internacional e, nessa condição,
está conectado a grandes negócios — a começar pela exposição na área de
petróleo e gás — nos quais aparece associado a outros grandes bancos e
grandes companhias nacionais e estrangeiras. O envolvimento de seu
controlador nos meandros do petrolão oferece, sim, um risco sistêmico. E
ameaça arrastar outras instituições financeiras e não financeiras.
Ponto importante: se confirmado o modo de atuação de André Esteves nesse
episódio — a operação nos bastidores da polícia, da Justiça e do
governo, cujos indícios são avassaladores — a Lava-Jato terá apanhado um
caso extremo de “capitalismo de amigos, dos negócios arranjados nas
mesas políticas.
Sim, a Lava-Jato já apanhou muitos casos assim. Empresários que fizeram
delação premiada, como Ricardo Pessoa, contaram que ou entravam no
esquema de corrupção da Petrobras/PT ou não tinham obras.
Mas o banqueiro André Esteves é muito mais que isso. Tem peso, talvez,
até maior que o de Marcelo Odebrecht. E, para falar francamente, não é
de hoje que os mercados olham com certa restrição para o modo de
operação de Esteves. Se ele foi efetivamente apanhado, vão muita gente e
muito negócio atrás.
Que a política está toda comprometida, já se sabia. Piorou, é verdade. A
prisão do senador líder do governo, determinada pelo STF, jogou a crise
um degrau acima. Mais exatamente, jogou a crise para a praça ao lado,
do prédio do Congresso para o Palácio do Planalto — onde, aliás, já
estava parcialmente, conduzida pelos membros do PT apanhados na
Lava-Jato.
Ou seja, já havia aí um ambiente de perplexidade política. Como se
chegou a esse ponto? Repararam que todos os envolvidos na Lava-Jato já
foram acusados, denunciados e...
liberados em inúmeros outros casos? Como é possível que um Congresso
funcione com tantos dirigentes envolvidos em casos graves de corrupção? E
como foi possível que esses personagens estejam tanto tempo por aí?
Pois o fato novo de ontem é que se pode levar essa perplexidade para o
mundo econômico, público e privado. Como foi possível que o país tenha
suportado por tanto tempo esse modo de negócios nos quais há um assalto
do setor privado sobre o público?
O pior de tudo é que, pensando bem, não há com o que se espantar. Há uma
cultura anticapitalista no país, difundida nos meios políticos,
intelectuais e acadêmicos, nas escolas, na verdade, na sociedade toda.
Empresários e banqueiros, estes principalmente, são todos uns ladrões —
tal é a opinião rasa.
E parece que essa opinião é tão difundida que os próprios capitalistas
nacionais aderiram a ela. Ok, vamos para a ressalva. Parte dos
capitalistas nacionais parece ter pensado: se é tudo roubalheira, por
que não? Ou seja, a cultura anticapitalista acaba produzindo um
capitalismo de negócios escusos, que, ao final, confirma aquela cultura.
Temos, portanto, uma perfeita crise de valores, que paralisa a política e
ameaça paralisar a macroeconomia. Só não paralisa os milhões e milhões
de brasileiros que continuam comparecendo ao trabalho, cumprindo suas
tarefas e tentando ganhar a vida honestamente. Para que estes não façam o
papel de trouxas, está mais do que na hora de uma mudança radical na
política — um novo governo, uma nova força, uma nova composição, o que
seja — mas que seja capaz de tocar o país.
E que seja capaz, entre outras coisas, de reformar o capitalismo nacional.
Quanto ao Judiciário, se havia alguma dúvida sobre sua conduta, parece
que não há mais. Viva a Lava-Jato, que criou a oportunidade para que se
lave tudo isso.
extraídaderota2014blogspot
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