por Carlos Alberto Sardenberg O Globo
Das 12 linhas de transmissão de energia oferecidas ontem em leilão,
apenas quatro foram arrematadas. Não houve ofertas para as outras oito.
Portanto, foi um fracasso. Para a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), porém, se consideradas as condições atuais do país, pode-se
dizer que foi um sucesso.
Essas condições são conhecidas: a recessão, a dificuldade de obter
financiamento público e/ou privado, os juros mais elevados quando saem
os empréstimos, as restrições de rentabilidade colocadas pela Aneel.
Mas há um outro problema, sempre citado pelo pessoal do setor, tanto do
privado quanto do governo: a dificuldade na obtenção de licença
ambiental. Há duas broncas: regras muito rigorosas (e custosas) e uma
burocracia infernal dos órgãos reguladores.
Mas a tragédia de Mariana exibe uma falha enorme em todo o processo, da
regulação à fiscalização do cumprimento das normas ambientais, sem
contar as de segurança. O desastre, portanto, permite argumentar que a
legislação é frouxa, a regulamentação é falha e a fiscalização,
inexistente.
Sim, são setores diferentes, mineração e energia elétrica, mas guardam
estreita aproximação nessa questão ambiental, um dilema político,
econômico e social.
Temos aqui dois polos opostos. Um lado diz: o sistema de controle
ambiental é tão rigoroso que bloqueia investimentos, cuja falta atrasa a
economia, o progresso, a geração de empregos.
De outro lado, a contestação: o sistema é tão frágil, tão favorável às
empresas, que os desastres são inevitáveis durante a execução das obras e
depois, quando o serviço está funcionando.
Esse é o debate que envolve, por exemplo, a reforma do Código de
Mineração. Ou a construção de Belo Monte e tantos outros grandes
projetos.
E aí, como ficamos?
No pior dos mundos.
É verdade que há demora e dificuldades excessivas na obtenção de
licenças ambientais. Vai daí, é verdade, que isso atrapalha o
crescimento do PIB.
É verdade também que há muitos desastres que poderiam e deveriam ter sido evitados. E não estamos falando de acidentes menores.
Como se chegou a isso?
O sistema é ruim. A legislação é frequentemente inadequada e exagerada, e
os órgãos licenciadores são ineficientes, especialmente pela falta de
mais pessoal especializado. Em consequência, projetos corretos acabam
barrados enquanto os errados recebem a autorização, não raro por pressão
política de governantes e políticos ansiosos por tocar uma obra de
prestígio. Claro, há pressões privadas, mas estas necessariamente passam
pela instância política.
E a coisa vai mal também depois que a licença, correta ou equivocada, é
concedida. A fiscalização dos governos falha clamorosamente e, com isso,
muitas empresas se sentem, digamos, estimuladas a “flexibilizar” as
normas estipuladas na licença e nas leis.
Portanto, há muito o que fazer. Em primeiro lugar, acalmar o debate. Não
se pode partir da ideia de que todas as empresas são bandidas e estão
dispostas a matar pelo lucro.
Também não se pode partir da ideia de que todos os ambientalistas querem simplesmente parar o país.
Moderação, pessoal.
E uma sugestão: inverter a lógica de todo o sistema. Em vez de uma
legislação complexa e rigorosa, de difícil aplicação, escrever leis mais
flexíveis, que combinem a necessidade econômica e social das obras com a
prevenção, minimização e compensação dos danos ambientais.
E, em vez de aplicação frouxa das regras, o rigor extremo na
fiscalização do governo e, sobretudo, a punição pesada para as empresas e
os executivos responsáveis quando o erro, a imperícia ou fraudes são
cometidas, das pequenas às desastrosas. Deve-se incluir aqui a punição
às autoridades que falhem no cumprimento de suas funções.
Como nas sociedades abertas e democráticas: o cidadão é livre, mas, se violar a lei, o peso do Estado desaba sobre ele.
SALVAR A EUROPA
E por falar em sociedades abertas e livres: a melhor construção do
último século está em perigo. A crise dos imigrantes e o terrorismo
ameaçam o Espaço Schengen — essa área formada por 30 países europeus
pelos quais as pessoas circulam livremente, sem vistos, sem mostrar
passaporte.
O Espaço foi proposto em 1985, em Schengen, Luxemburgo, e depois
assinado por países membros e não membros da União Europeia. Depois de
duas guerras brutais no século XX, a Europa conseguiu terminar o período
numa celebração da tolerância e da liberdade.
É claro que isso favorece também a movimentação e a articulação dos
terroristas, assim como a entrada de imigrantes acima da capacidade de
absorção dos países membros.
Mas a humanidade estará melhor se os europeus conseguirem lidar com
essas ameaças preservando a liberdade. É preciso salvar o Espaço
Schengen.
extraídaderota2014blogspot
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