editorial de O Globo
Ministros
alertam que julgamento da Lava-Jato precisa se ater às provas e às
leis, não importando nomes, numa mensagem para juízes e Congresso
O senador Delcídio Amaral (PT-MS) e os demais participantes da trama
para silenciar o ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró no
inquérito da Lava-Jato permitiram, de forma involuntária, que ministros
do Supremo Tribunal estabelecessem um marco de referência na tramitação
pela Justiça dos processos de acusados de participar do petrolão, o
assalto à Petrobras organizado pelo lulopetismo, e a outras estatais.
O desfecho do mensalão, em que petistas também organizaram desfalques de
dinheiro público, basicamente para “comprar” apoio no Congresso, avisou
à sociedade que ter poder político deixava de garantir habeas corpus
prévio, costume do Brasil monárquico preservado pela República.
Já a decisão unânime, quarta-feira, dos cinco ministros da 2ª Turma do
STF — Teori Zavascki, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Dias Toffoli e
Gilmar Mendes —, de que o senador petista deveria continuar preso,
avançou além do mensalão: a depender das provas e circunstâncias, homem
público com mandato pode ser preso.
A sessão registrou pelo menos duas declarações irretocáveis. Uma, da
ministra Cármen Lúcia: depois de lembrar do mensalão, de cujo julgamento
participou, “quando descobrimos que o cinismo tinha vencido a
esperança”, disse que agora é possível constatar que “o escárnio venceu o
cinismo”, mas nem por isso o crime vencerá a Justiça. Outra declaração
emblemática foi de Celso de Mello: no tom de que se valeu também no
julgamento do mensalão, o decano do STF registrou que “marginais que se
apossaram do aparelho de Estado” (...) praticaram uma “delinquência
institucional”. Não se discute.
Além de permear a tramitação da Lava-Jato na Justiça, a postura dos
ministros deve condicionar o posicionamento do Congresso no escândalo. O
Senado parece ter entendido, ao referendar a prisão de Delcídio. Haverá
outros casos à frente, como o do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Fica demonstrado nas gravações da tramoia que Delcídio, o banqueiro
André Esteves (BTG Pactual), o advogado Edson Ribeiro e Diogo Ferreira,
chefe de gabinete do senador, que poderosos podem tentar invadir espaços
exclusivos da Justiça com lobbies perversos. Contatos entre juízes e
representantes das partes interessadas são normais, servem para
esclarecer pontos obscuros. Outra coisa é tentar influenciar veredictos,
independentemente das provas.
O que disse a 2ª Turma — que os processos precisam ser julgados à luz da
lei, da Constituição, das provas, sem preocupação com nomes — é de
grande obviedade, mas de máxima importância nas circunstâncias da
Lava-Jato, uma investigação no centro do poder, com o envolvimento, em
vários graus, de parlamentares, da presidente Dilma e do ex-presidente
Lula. As maquinações expostas nas gravações feitas pelo filho de Nestor
Cerveró, Bernardo, clamam por apoio total à Lava-Jato, e precisam
inclusive ser levadas em conta no julgamento de recurso da
Procuradoria-Geral da República à decisão de fatiamento da Operação.
Nunca foi hora de enfraquecer o trabalho da força-tarefa que desbarata o
esquema a partir de Curitiba. Muito menos agora.
Entenda-se a dimensão do que estava acontecendo: um dos maiores
banqueiros do país, André Esteves, se associou a um senador líder do
governo, Delcídio Amaral, para, com milhões de reais e a facilidade de
acesso ao Judiciário e qualquer Poder, silenciar um ex-diretor da
Petrobras prestes a selar acordo de colaboração premiada.
Este enredo não só justifica a decisão que tomou a 2ª Turma do Supremo,
como alerta para o que pode estar acontecendo em torno de outros
ilustres detidos pela Lava-Jato.
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