por Sérgio Malbergier Folha de São Paulo
Os terroristas que barbarizaram Paris nesta semana não fizeram aquilo
por serem oprimidos e discriminados pela sociedade francesa. Opressão e
discriminação são comuns no mundo todo. Fizeram aquilo por serem
soldados de uma facção extremista, violenta e relativamente popular do
islamismo em guerra pela restauração do califado. Na sexta-feira 13,
transportaram a loucura da Síria e do Oriente Médio para Paris.
Mesmo que EUA, Rússia e Europa formem coalizão fenomenal e aniquilem o
Estado Islâmico, outro grupo do mesmo tipo o sucederá, como o Estado
Islâmico sucedeu a Al Qaeda.
Esses grupos têm origem e sustentação no desarranjo das sociedades
árabes, oprimidas há décadas por ditaduras brutais e mesquitas radicais.
Em pleno século 21, vivem em estruturas sociais de séculos passados.
Retrocedem. Tanto que entre as três maiores potências regionais do
Oriente Médio hoje —Turquia, Israel e Irã—-, nenhuma é árabe.
Mas, no terrorismo, avançam. O Estado Islâmico é a Al Qaeda 3.0, nascida
para suceder a organização de Bin Laden fazendo uso de toda a
experiência jihadista acumulada e de tecnologias mais modernas e
poderosas.
Os atentados de Paris seguem a mesma estratégia da Al Qaeda de buscar
alvos icônicos e ações espetaculares com máxima letalidade, mas com
visão voltada à era da globalização e da comunicação. E o terrorismo é a
forma mais brutal de comunicação.
Depois de conquistar e reter grandes cidades e territórios, anunciando o
novo califado, o Estado Islâmico ganhou aura de poder e vitória que
tornou o apelo jihadista ainda mais forte.
Seus filmes de terror, com pessoas decapitadas, crucificadas, afogadas,
esquartejadas e queimadas, ao vivo, são perversa e magistralmente
construídos mais para atrair adeptos que amedrontar inimigos.
É uma mensagem de ódio e violência abraçada com assustadora naturalidade
em sociedades já brutalizadas e radicalizadas. É comum parentes, amigos
e vizinhos de terroristas atrozes dizerem que eles até então pareciam
pessoas normais, em lares normais. Este é o ponto.
Atrocidades como a de Paris, por mais abomináveis que sejam, ocorrem com
frequência em várias cidades do mundo árabe e islâmico, com pouca
consequência a não ser para as suas milhares de vítimas, na casa das
centenas de milhares, a enorme maioria delas muçulmana.
Paris pelo menos comoveu o mundo e mobilizou exércitos. Vamos ver por
quanto tempo. Será uma batalha que o Estado Islâmico e os jihadistas
anseiam. Ao reivindicar a autoria dos ataques em Paris, o grupo fez
questão de lembrar a importância da França na para eles eterna batalha
entre a Europa cristã e o islã.
Foram os franceses que lideraram as Cruzadas e, séculos mais tarde,
contiveram as tropas muçulmanas depois de elas conquistarem a Espanha.
Foram os franceses também —agora em nome do laicismo, não mais do
cristianismo, uma vez que evoluíram—, que barraram por lei o uso em
público do véu islâmico pelas mulheres, um símbolo de opressão de gênero
que absurdamente para alguns se tornou símbolo de liberdade.
A guerra contra o Estado Islâmico poderá ser vencida pela aliança
russo-ocidental. Mas o que o sustenta, não. Para isso, o Oriente Médio
terá de mudar, por dentro. O fracasso da Primavera Árabe mostra como
será difícil.
Nessa luta, o resto do mundo tem pouco a fazer de efetivo. Intervenção estrangeira não dá certo, como ficou claro no Iraque. Não intervenção também não, como ficou claro na Síria.
Depois de tanto desaforo, o Ocidente vai erguer barreiras e leis mais
duras para se proteger. Quanto aos muçulmanos, de longe as maiores
vítimas desse mal, eles só poderão ser salvos por eles mesmos.
extraídaderota2014blogspot
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