por João Pereira Coutinho Folha de São Paulo
Serão os terroristas felizes? Estranha pergunta, essa. E, no entanto,
não tenho pensado em mais nenhuma depois dos ataques de Paris.
Os especialistas elaboram todas as teorias sobre o autoproclamado Estado
Islâmico. E depois procuram explicar as metástases que o grupo espalhou
pela Europa.
Escuto tudo como um aluno aplicado e retorno à primeira pergunta: serão
os terroristas felizes? Há vídeos que passam na TV. Todos eles sorriem.
Existe até um filme no qual um alegado terrorista de origem portuguesa
disserta sobre o prazer da matança. Não tenho dúvidas. Esses homens são
felizes.
Um pensamento bizarro e fútil? Não creio. Li bastante sobre a origem do
EI e os "objetivos" da organização. A culpa é dos Estados Unidos, dizem
uns, que destruíram a estrutura sunita no Iraque e entregaram o país ao
sectarismo dos xiitas.
A culpa é da Arábia Saudita, dizem outros, que financia e exporta o wahabismo para a Síria e outros territórios na vizinhança.
Ou então a culpa é do Islã, ou de uma interpretação radical do Islã, que
exige a morte dos "infiéis" e a conquista de território para a causa do
Profeta.
E, quando se fala da Europa e dos milhares de jihadistas que estarão
dentro das fronteiras, encontramos os mesmos modelos de explicação. A
culpa é do multiculturalismo, que permitiu o crescimento de corpos
estranhos dentro das sociedades pluralistas europeias.
A culpa é da pobreza e da marginalização, que conduziu os filhos de
emigrantes muçulmanos para a "guerra santa" contra os "cruzados".
Ou então a culpa é das fronteiras abertas da Europa, um convite para que os novos bárbaros invadam o Ocidente.
Admito que todas essas explicações sejam verdadeiras (ou falsas). Mas,
quando olho para o rosto dos terroristas, o que vejo é a felicidade da
matança. Eles não matam apenas por uma religião (que mal estudaram) ou
por razões geopolíticas (que nem sequer entendem).
Eles matam porque gostam de matar. Como dizia Ernst Jünger, eles estão tomados pela "vermelha embriaguez do sangue".
Talvez seja injusto convocar Jünger, um dos grandes escritores do século
20, para tão más companhias. Mas um livro dele tem merecido releitura
nos últimos tempos.
O título é "A Guerra como Experiência Interior". Trata-se do relato do
autor da sua experiência na Primeira Guerra Mundial. Verdade: a Guerra
de 1914 foi feita por soldados, não por terroristas. E o alemão Jünger
tem pelo inimigo (francês) a admiração que só a bravura merece.
Mas o que me interessa no relato é a dimensão de êxtase que o combatente
sente na batalha. A sociedade pode refrear "a pulsão dos apetites e dos
desejos", escreve ele (como escreveu Freud). Mas a parte bestial do ser
humano não pode ser abolida da nossa natureza.
Somos feitos de razão e sentimento. Mas também de fúria e instinto. E,
quando provamos a loucura da guerra, emergimos como "o primeiro homem",
"o homem das cavernas".
Existe uma passagem do livro que ilustra essa terrível verdade. Acontece
em 1917, quando o soldado Jünger passeia pelas ruas de Bruxelas e olha
para uma vitrine onde estão pequenas peças de porcelana.
O autor comove-se com a beleza da arte –uma espécie de "intermezzo" da
carnificina; ou então a memória nostálgica de um outro Jünger, que
existiu antes das cinzas.
Ao lado da vitrine, dois soldados conversam. E um deles, olhando também
para a vitrine, confessa: "Gostava de ver um canhão 380 acertar nisto em
cheio."
Entendemos que a pulsão destrutiva é tudo que resta na alma daquele
homem. E, quando assim é, os medos mais primordiais –como o medo da
morte– tornam-se "pequenos e desprezíveis".
O Ocidente pode pensar em todas as estratégias para combater o
terrorismo. Algumas delas –vigilância, ação militar etc.– podem ser
incontornáveis.
Mas existe uma "dissonância cognitiva" que continua a existir entre
"nós" e "eles": embalados pelo conforto da paz, somos incapazes de
entender, muito menos aceitar, a felicidade dos terroristas. A
felicidade de homens como nós que provaram e gostaram do sangue. E que
exatamente por isso querem mais e mais e mais –até que a morte nos
separe.
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