por Hélio Schwartsman Folha de São Paulo
Não há dúvida de que a prisão do senador Delcídio do Amaral foi
merecida. Suas maquinações para evitar a delação premiada de Nestor
Cerveró constituem o triunfo do escárnio sobre o cinismo, para tomar
emprestadas palavras da ministra Cármen Lúcia. Receio, porém, que o STF
tenha forçado um pouco a interpretação da lei para sustentar a prisão do
senador.
A Carta é inequívoca ao definir que parlamentares só podem ser presos
"em flagrante de crime inafiançável" (art. 53, § 2º). Até acompanho o
entendimento de que a formação de uma organização criminosa para
frustrar a operação Lava Jato é crime permanente (dura enquanto a
organização criminosa durar), de modo que o flagrante está
caracterizado.
Em relação à inafiançabilidade, a questão é mais complicada. A
Constituição enumera os crimes inafiançáveis (racismo, tráfico, tortura,
terrorismo, ação armada contra o Estado e os definidos em lei como
hediondos) e os delitos de que o senador é acusado não passam perto
dessa lista.
O próprio relator da ação admite que a prisão "não é cabível na
literalidade do dispositivo [constitucional]", mas defende que a
interpretação seja relativizada. Não tenho nada contra relativizar
mandamentos constitucionais. Diria até que é impossível não fazê-lo. Mas
é complicado reduzir o alcance dos que estabelecem garantias
fundamentais. O risco é que deixem de ser garantias.
Minha hipótese para a incomum severidade do STF é que a gravação mostra
Delcídio sugerindo que poderia influenciar ministros a beneficiar
Cerveró. Aí, para provar que não são influenciáveis, os juízes
transformaram o senador num exemplo. Entre a imagem do Supremo e o rigor
garantista, optaram pela primeira.
Não me parece a mais católica das decisões, mas não dá para afirmar que
fira o Estado de Direito. No fim das contas, não faz muita diferença, já
que, diante da prova, só um milagre salvará Delcídio de condenação.
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