, por Rogério Furquim Werneck O Globo
Nenhuma crise poderá ser superada sem que o governo reconheça graves equívocos cometidos nos últimos 12 anos
Mal iniciado o segundo mandato, o novo governo parece prestes a ser
tragado pelo turbilhão que vem sendo gerado pela conjunção de três
crises de grandes proporções. Não bastassem os desafios de um quadro
econômico muito difícil e os alarmantes desdobramentos da crise que se
abateu sobre a Petrobras, a presidente se vê agora obrigada a já lidar,
em plena estação chuvosa, com rápido agravamento da precariedade da
oferta de energia elétrica no país.
O que torna o turbilhão mais assustador é que nenhuma das três crises
poderá ser superada sem que o governo reconheça graves equívocos
cometidos nos últimos 12 anos.
Se isso já parece muito difícil, mais difícil ainda se afigura quando se
leva em conta o estreito envolvimento pessoal de Dilma Rousseff, ao
longo de três mandatos presidenciais, nas decisões equivocadas que
gestaram e alimentaram as três crises. O que a superação dessas crises
requer, portanto, antes de mais nada, é que a presidente seja
pessoalmente capaz de se permitir fazer um mea-culpa em relação a cada
uma delas.
Não se trata de exigir da presidente um acerto de contas com o país e a
História. Longe disso. A razão pela qual o reconhecimento dos erros
cometidos é indispensável é bem outra. Sem se permitir um mea-culpa, por
tácito que seja, a presidente ficará presa a diagnósticos fantasiosos
e, portanto, a concepções inadequadas das medidas necessárias para a
superação dessas crises.
Não lhe será fácil. Em cada caso, a mudança requerida de discurso deverá
exigir da presidente doses improváveis de humildade e pragmatismo, para
dar o dito pelo não dito a respeito de decisões desastrosas que, por
muito tempo, defendeu com arrogância e triunfalismo.
Para perceber de forma mais concreta quão penosa terá de ser a mudança
de discurso que se faz necessária, vale a pena ver de novo, por exemplo,
o pronunciamento de oito minutos, em cadeia nacional de rádio e
televisão, de 23 de janeiro de 2013, em que a presidente Dilma anunciou
redução de tarifas de energia elétrica, comemorou a queda forçada de
taxa de juros e denunciou os pessimistas de sempre (disponível em
http://zip.net/bpqJg3).
É a consciência da dificuldade de dar o dito pelo não dito que talvez
explique o silêncio profundo a que se entregou a presidente desde o
início do seu segundo mandato. Incapaz de articular um novo discurso,
Dilma parece ter preferido atravessar o mês de janeiro enclausurada,
imersa em reflexões sobre as proporções da metamorfose por que terá de
passar, se quiser enfrentar com sucesso os desafios do seu segundo
mandato.
No início desta semana, a quebra do longo silêncio de Dilma, na primeira
reunião ministerial do novo governo, vinha sendo aguardada com grande
expectativa. Os mais otimistas chegaram a acalentar a esperança de um
novo discurso, com reconhecimento pelo menos tácito de equívocos
cometidos no primeiro mandato.
Mas o que se viu foi a mesma Dilma de sempre, agarrada às velhas
mistificações. Sobre o quadro desastroso do setor elétrico, houve apenas
a promessa lacônica de que "estamos tomando todas as ações cabíveis
para garantir o suprimento de energia". Sobre o descalabro da Petrobras,
o que se ouviu é que “a realidade atual só fez reforçar nossa
determinação" de dotá-la da “mais eficiente estrutura de governança e
controle que uma empresa estatal ou privada já teve no Brasil".
Na menção às medidas de ajuste fiscal, a devastação das contas públicas
do ano passado foi justificada — acredite se quiser — como necessária
para preservar o emprego e a renda, em face da deterioração do cenário
externo e do agravamento das condições climáticas. “Nós reduzimos o
resultado primário para combater os efeitos adversos desses choques
sobre a economia e proteger a população.”
O mais espantoso é que, tendo dito tudo isso, a presidente tenha
conclamado os ministros a combater campanhas de desinformação. “Nós não
podemos permitir que a falsa versão se crie e se alastre.” Seria
irônico, se não fosse trágico.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
fonte rota2014
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