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22:28
ANDRADEJRJOR
FERNÃO LARA MESQUITA O ESTADO DE SÃO PAULO
O PT apoia sua
estratégia de controle hegemônico do Brasil na reafirmação sistemática
de mentiras essencialmente porque isso funciona. É uma técnica
especialmente desenvolvida, testada e aprovada. O dano colateral do uso
dessa arma é virtualmente irreversível, mas o poder é sexy o bastante
para contar sempre com quem esteja disposto a matar e morrer por ele.
Na quarta-feira, 15, este jornal publicou extensa reportagem do Guardian sobre o assunto, no mínimo, angustiante.
Hoje
todo mundo já nasce com os recursos de manipulação de imagens nas mãos e
vive a maior parte da vida em mundos virtuais, de modo que a primeira
coisa de que estamos treinados a desconfiar é daquilo que nossos olhos
veem. Mas não foi sempre assim. A humanidade custou a recuperar-se do
advento do registro cinematográfico. A edição de imagens destruiu a
última barreira sólida que havia entre o nosso equipamento cognitivo e a
realidade exterior. "Eu vi com meus próprios olhos" já foi o argumento
que encerrava qualquer controvérsia. Hoje não existem mais certezas.
Tudo pode ser nada.
Os totalitarismos e os genocídios do século
20 não teriam sido possíveis sem as falsas emoções e "realidades" que
era possível plantar como reais antes que a humanidade aprendesse a
redefinir o valor do que seus olhos viam e seus ouvidos ouviam.
Na
ponta contrária, desenvolver essas técnicas em ciências se transformou
numa credencial obrigatória de acesso ao poder e num imperativo de
sobrevivência para os Estados nacionais. Enquanto os dois lados tinham
objetivos diferentes a atingir, tratava-se de antecipar as reações do
adversário, algumas jogadas adiante, e induzi-lo a erro ou a reações
previsíveis por meio de informações falsas.
Mas os tempos
ingênuos da "desinformação" ficaram para trás. Agora, na era do poder
para nada, na era do poder pelo poder, não se trata mais de convencer,
ainda que pela mentira. O que conta é conquistar e manter o poder, seja
como for, não "para isto" ou "para aquilo", mas apenas para tê-lo,
apenas para desfrutá-lo.
O Guardian descreve, então, como o
celerado Putin, ex-KGB e agora czar de todas as Rússias, retomou a obra
de onde a tinham deixado os soviéticos para adaptá-la à nova realidade
das armas tão destrutivas que não podem mais ser usadas, em que as
tiranias se impõem e se mantêm como se tudo não passasse de uma disputa
entre advogados desonestos que se confrontam nos fóruns e tribunais
internacionais, na qual o objetivo é manter-se sempre nas intersecções
da regra e "destruir a ideia mesmo de prova" capaz de caracterizar uma
determinada ação como estando em conflito com alguma delas, num universo
em que nada é moralmente superior a nada, não há mais fatos, só
versões, e onde a realidade "pode ser constantemente recriada".
Como é que se faz isso?
A
Pequena Enciclopédia e Guia de Referências sobre Operações de
Informação e Guerra Psicológica, compilada a partir do momento, em 1999,
em que o marechal Igor Sergeyev, então ministro da Defesa, admitiu que a
Rússia não tinha mais condição de competir militarmente com o Ocidente e
era preciso partir para "métodos alternativos" para levar as guerras
para a "psicosfera", onde as armas são outras, explica didaticamente o
caminho. "Trata-se menos de métodos de persuasão e mais de influenciar
as relações sociais (...) de desenvolver uma álgebra da consciência
(...) As armas de informação funcionam como uma radiação invisível que
atua contra alvos que sequer ficam sabendo que estão sendo atingidos e,
assim, não acionam seus mecanismos de autodefesa."
Aproveitando o
momento vulnerável da imprensa americana, que, no nível historicamente
mais baixo de sua credibilidade por ter embarcado na mentira das armas
químicas de Saddam Hussein sem checar suficientemente fontes
alternativas, tentava redimir-se obrigando-se a dar um "outro lado" a
toda e qualquer história que publicasse, Putin sentiu que estava na mão a
oportunidade de levar a sua "guerra da psicosfera" para um patamar mais
elevado.
Criou, então, a RT, uma espécie de BBC russa de
televisão transmitida para diversos países, a começar pelos próprios
Estados Unidos, chefiada por Margarita Simonyan, cujo mantra é "não
existem reportagens objetivas. E se elas não existem, todas as versões
são igualmente verdadeiras". Na velocidade da internet (Putin também
paga um exército de blogueiros para inundar a rede de "provas" e
"versões" do seu interesse para todo e qualquer fato que surge na
imprensa mundial, de modo a tornar impossível apurá-los e desmenti-los a
todos), os russos passam a testar a fidelidade dos jornalistas
americanos à nova regra. "Especialistas" são convocados a todo momento
às bancadas da RT para dar versões estapafúrdias de todo e qualquer
acontecimento, que os jornalistas nunca desafiam, apenas reproduzem sob o
onipresente título/álibi: "O outro lado". Assim nascem histórias
bizarras que chegam a correr mundo como as de que o Ebola foi criado
pela CIA para destruir populações de países pobres, a derrubada do avião
da Malaysia Airlines pelos invasores russos da Ucrânia foi um erro dos
americanos, que pensavam estar atacando o jato particular de Putin, e
por aí afora.
Um mercado tinha sido criado. Bastava aos russos
atender à demanda por "outros lados". "Se a objetividade é mesmo
impossível e todas as versões, por mais bizarras que sejam, merecem ser
apresentadas numa base de igualdade, então nenhum órgão de imprensa é
mais confiável que os outros" é a conclusão dos auxiliares de Putin.
O
projeto evolui, assim, para "uma espécie de sabotagem linguística da
infraestrutura da razão: se a mera possibilidade de uma argumentação
racional for soterrada num nevoeiro de incertezas, não há mais espaço
para o debate e o público acabará desistindo de saber quem tem razão",
efeito que, notam os estatísticos, "já é mensurável na Europa, onde as
pesquisas registram um nítido desgaste da identidade coletiva e uma
sensação geral de perda de controle".
Qualquer semelhança com o Brasil do PT não é mera coincidência.
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