por Dora Kramer
Era líquido e certo que custaria caro ao Planalto convencer a maioria
governista no Congresso a salvar o Executivo de transgressão à lei no
manejo das contas públicas, tornando extinta a meta de superávit fiscal
para 2014. Até aí, nada de novo.
Inclusive porque nesse aspecto não se pode acusar a presidente Dilma
Rousseff de ter tido comportamento contraditório na campanha eleitoral.
Foi a única a não prometer mudar a metodologia das relações com o
Legislativo, não falar em nova política nem impor reparos ao loteamento
partidário da administração pública. Questionada, desviava-se do
assunto. Portanto, nesse ponto já se sabia que continuaria tudo como
dantes.
De onde partidos da base aliada, como PTB e alas do PMDB, aderiram com
tranquilidade à candidatura de oposição. Vencendo a situação, era só dar
meia-volta que ficaria o dito pelo não dito. Pois aí estão os
petebistas representados no Ministério do Desenvolvimento por Armando
Monteiro e o PMDB unido reivindicando seis cadeiras no ministério.
No caso da meta fiscal, a oposição avisou desde o começo que daria uma
canseira no governo usando todos os instrumentos de obstrução regimental
para obrigá-lo ao menos a deixar claro que o que pedia ao Congresso era
uma transferência de responsabilidade pelos erros cometidos na condução
da economia.
A vitória final, entretanto, estava prevista no roteiro. Tudo
transcorreu relativamente bem até a tramitação na Comissão de Orçamento,
a derrubada dos vetos presidenciais no plenário, mas a coisa complicou
quando boa parte dos aliados se ausentou das sessões e o projeto-manobra
não pôde ser votado.
Aí bateu o desespero e deu-se o inédito: o toma lá dá cá por decreto.
Algo tão inusitado quanto a propina com recibo noticiada dias atrás no
bojo das investigações da Operação Lava Jato. O governo autorizou a
liberação de R$ 444,7 milhões em emendas dos parlamentares ao Orçamento
(R$ 748 mil para cada um) e condicionou o pagamento à aprovação da
alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias que extingue a meta fiscal
de 2014. Simples e claro assim.
A oposição recorreu ao Supremo Tribunal Federal alegando que o decreto
que deveria regulamentar uma lei está sendo usado para pressionar
deputados e senadores a aprovar a norma que ainda não existe. Haveria no
ato "desvio de finalidade". Para dizer de maneira amena. Dizem que o
Congresso costuma chantagear o Planalto, exigindo liberação de verbas e
ocupação de verbas, mas o que vemos aqui é o contrário.
Os líderes governistas, evidentemente, negam. Dizem que nada foi feito
além do "corriqueiro" e que a liberação já estava prevista. Sim, então
por que fazê-la na sexta-feira depois de uma semana de tentativas
inúteis de votar o projeto, com publicação extra no Diário Oficial e na
condição de ser aprovada?
Nova votação estava marcada para ontem à noite. Para o mesmo horário
previsto para o lançamento da candidatura do deputado Eduardo Cunha à
presidência da Câmara com uma plataforma cujo ponto central é a
"independência" do Poder Legislativo em relação ao Executivo.
Antes desse decreto até seria aceitável a alegação de que a aprovação da
mudança na LDO pelos governistas seria motivada pelo convencimento de
conteúdo - evitar desemprego, cortes de repasses de verbas para os
Estados, inutilidade de chorar sobre o leite derramado, o risco de se
sujeitar a presidente a punições legais, sinalização de nova conduta no
manejo das contas daqui em diante.
Com a cláusula em forma de trato, no entanto, o voto dos parlamentares
ficou maculado e os expõe à avaliação de que a independência tem limite e
o "sim" ao Planalto tem um preço. Mesmo aqueles sinceramente
convencidos na conveniência da aprovação serão jogados à vala comum
daqueles que só o fizeram mediante a promessa de liberação das emendas.
fonte rota2014
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