editorial do Estadão
Nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem o ex-ministro
Alexandre Padilha ocupam cargo público, mas ambos participaram
recentemente da entrega das chaves de um conjunto habitacional do
programa Minha Casa, Minha Vida. Julgando-se mandatário eterno, Lula não
precisa de justificativa para fazer o que lhe dá na telha - e se sente
muito à vontade para exercer uma espécie de Presidência paralela, com
direito até a inaugurações.
A participação no evento em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, faz
parte do esforço de Lula para dizer à presidente Dilma Rousseff como ela
deve se comportar no segundo mandato, especialmente em relação aos
"movimentos sociais". E o recado não podia ser mais direto: para Lula,
Dilma deve se dobrar a esses grupos, mesmo aos mais radicais.
A inauguração do condomínio foi uma encenação meticulosamente
coreografada com o novo amigo de Lula, o líder do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos - hoje talvez o mais bem
organizado grupo de desordeiros de São Paulo, que explora a fraqueza
das autoridades para, por meio da intimidação e da chantagem, obter
benefícios à margem da lei.
O MTST é o responsável pelo projeto dos apartamentos entregues em
Taboão, dentro da modalidade Minha Casa, Minha Vida - Entidades, que
destina financiamento aos movimentos de sem-teto para que estes façam as
moradias. Como se sabe, a maior parte das entidades beneficiadas pelo
programa é liderada por petistas, que privilegiam correligionários e
"ativistas" na hora de decidir quem receberá as chaves primeiro. O
aparelhamento político é evidente, sem falar na grande possibilidade de
corrupção que o modelo gera.
O MTST que Lula prestigiou ganhou notoriedade nos últimos tempos ao
promover invasões relâmpago de terrenos na cidade de São Paulo e ao
acossar vereadores para que estes aprovassem emendas ao Plano Diretor e,
assim, favorecessem seu grupo. Uma das mudanças que a turma de Boulos
obteve na marra foi o novo critério de zoneamento de uma área invadida
às margens da Represa de Guarapiranga. Os vereadores decidiram que a
área não era mais uma "zona de preservação permanente" (Zepam), e sim
uma "zona especial de interesse social" (Zeis), para que então pudesse
ser entregue ao MTST. A proteção ambiental ficou em segundo plano.
Em vez de pacificar os movimentos de sem-teto, a subserviência dos
políticos aos desejos do MTST acabou por estimular as invasões, pois
ficou claro que o Estado havia se tornado refém desses grupos - bastava
apenas decidir o tamanho do resgate a cobrar.
Mas o que para alguns é problema, para Lula é oportunidade. Especialista
em cooptação, o petista trouxe Boulos para seu palanque, enxergando
nele mais um veículo por meio do qual pode exercer pressão sobre Dilma.
Na patuscada política de Taboão da Serra, Lula não teve nenhum pudor de
depreciar o Minha Casa, Minha Vida, hoje o principal destino dos
investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para
sugerir que o modelo atual, em que as pessoas comuns esperam sua vez
para receber as chaves do apartamento, deve perder espaço para aquele
que privilegia os movimentos de sem-teto e seus militantes.
Lula deu a entender que os apartamentos construídos por esses movimentos
são muito melhores do que os entregues pelas empreiteiras. Ele contou
que, certa vez, visitou um dos empreendimentos do Minha Casa e constatou
que "a casa não estava acabada, a casa não tinha estuque, a casa não
tinha porta, e o chão era de terra", tudo isso porque a construtora
queria "fazer mais barato". Como sempre desabrido, Lula disse que
gostaria de ter "pegado de cacete os caras que tinham cuidado daquela
casa" e que "o cara que faz uma casa assim para um trabalhador, eu
duvido que ele tenha coragem de colocar a mãe dele lá dentro".
Ao "companheiro Guilherme", Lula prometeu "tentar convencer a presidenta
Dilma a vir na próxima inauguração", para que ela veja pessoalmente
como é que se faz.
fonte rota2014
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