Valdo Cruz e Daniela Lima - Folha de São Paulo
'Governo vai provar do seu veneno na economia', diz Aécio
Derrotado na disputa pela Presidência da República em outubro, o senador
Aécio Neves (PSDB-MG) aposta que as medidas da nova equipe econômica da
presidente Dilma Rousseff serão insuficientes para conter o clima de
desconfiança com os rumos do país. "O governo vai provar do seu próprio
veneno."
Ele afirma que o próximo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, enfrentará
mais resistência da base do governo do que da oposição. "Ele sabe que é
um corpo estranho neste processo", diz. E, em tom irônico, arremata:
"Vamos conhecer o neoliberalismo petista".
Aécio promete não apoiar aumentos de impostos propostos pelo governo
para fazer um ajuste de R$ 100 bilhões em 2015. "De onde vai vir isso?",
questiona.
O tucano afirma não ver motivos para um impeachment de Dilma, como têm
defendido alguns grupos em protestos de rua, mas defende a investigação
da campanha. Revela ainda que ficou "decepcionado" com a atuação do
ex-presidente Lula, com quem tinha boa relação.
Aécio desconversa sobre nova candidatura e faz acenos na direção do colega Geraldo Alckmin (PSDB-SP).
Folha - Fica mais difícil criticar o novo governo agora que ele
assume uma política econômica semelhante àquela que o sr. defendia?
Aécio Neves - Ao contrário. Acho que fica difícil para este
governo sustentar o discurso da eleição. O país cantado para os
brasileiros -equilibrado, próspero, com inflação sob controle- é, na
verdade, uma grande ilusão. A cada medida que o governo anuncia, ele, na
verdade, corrobora todos os alertas que fizemos na campanha eleitoral.
A que se refere?
Anúncios de ajustes fiscais extremamente duros, as maldades anunciadas
agora pelo futuro ministro [da Fazenda, Joaquim Levy]. Na verdade,
estamos vendo uma grande esquizofrenia, uma contradição entre aquilo que
se anuncia e aquilo que o governo vem praticando. Conheceremos o
neoliberalismo petista [risos]. Vamos ver até quando as convicções da
presidente se alinharão com as da equipe que ela nomeou.
Vão vir ao Congresso propostas de aumento de impostos, cortes, mudanças
no seguro-desemprego. O PSDB vai aprovar essas iniciativas?
Disse a campanha inteira que não faria pacotes. Os nossos ajustes seriam feitos a partir da credibilidade que nós inspiraríamos no mercado. Como eles não têm esse ativo, o que se anuncia é um pacote de maldades.
Disse a campanha inteira que não faria pacotes. Os nossos ajustes seriam feitos a partir da credibilidade que nós inspiraríamos no mercado. Como eles não têm esse ativo, o que se anuncia é um pacote de maldades.
Será contra novos impostos?
Claramente. E qualquer alteração de direitos trabalhistas teria que ser
negociada com as centrais sindicais. Estamos voltando ao tempo do
pacotaço. Para se alcançar o superávit proposto pela nova equipe, de
1,2% do PIB, é preciso um ajuste em 2015 de R$ 100 bilhões. De onde vai
vir isso? O governo vai provar seu próprio veneno.
O sr. ligou para parabenizar Joaquim Levy? Ele colaborou com sua campanha.
Talvez solidariedade fosse mais apropriado [risos]. Não, eu jamais iria
constrangê-lo. Respeito muito o Levy, mas ele sabe que é um corpo
estranho neste processo. Ele será combatido até mais pela base do
governo e dos setores que o sustentam do que pela oposição.
O sr. pediu a investigação da campanha de Dilma. Não há risco de alimentar a tese de que não aceitou a derrota?
Esse é o discurso do PT. Fui o primeiro a assumir a derrota, quando
liguei para a presidente. Mas a vitória não dá salvo-conduto a ela. Se
houve ilegalidade, existem outras sanções [fora a perda do mandato]. Se
amanhã ficar provado que os Correios omitiram material dos adversários
para favorecer o governo -o que não muda a eleição, mas é um crime-,
essa pessoa tem que ser responsabilizada.
A oposição tem ressaltado que o sr. tem um patrimônio de 51 milhões
de votos. Quantos são de Aécio Neves e quantos são apenas anti-Dilma?
O PT, pela primeira vez, enfrentará uma oposição que reflete o
sentimento de uma sociedade. Agora, não vamos cometer o erro crasso de
personalizar a oposição. A oposição tem que ter vários rostos. A Marina
[Silva] é, o PSB é, e nós somos oposição. Vamos estimular as pessoas a
ter uma militância pós-eleição. Esse é o maior ativo. É uma coisa viva. É
isso que assusta o PT.
Têm ocorrido atos anti-PT. Um grupo que defende a volta dos militares se somou a eles. Como vê esses eventos?
Não podemos permitir que os saudosistas do autoritarismo se transformem
agora nos nossos black blocs e inibam manifestações democráticas. Essa,
inclusive, tem sido a estratégia do PT: misturar as coisas. Fora da
democracia, nada nos interessa.
Existem elementos para pedir o impeachment?
Não. Não trabalho com essa hipótese. Estamos fazendo aquilo que na
democracia é permitido: acionar a Justiça pedindo investigação. Pode ser
até que se comprove que não houve nada, mas este é um direito
inalienável.
Pretende ir a atos anti-Dilma?
Não tenho programação para isso. Quero ter uma agenda de viagens pelo país.
Depois das caravanas do ex-presidente Lula teremos caravanas de Aécio Neves?
Não é isso. Quero continuar mostrando o Brasil real em contraponto à
propaganda oficial. Quero fazer, por exemplo, uma viagem desde São Roque
[de Minas], onde nasce o rio São Francisco, até onde ele se encontra
com o oceano.
Preparação para 2018?
Quero me reencontrar com as pessoas que sonharam comigo, com um tempo
novo. Perdi a eleição, não perdi a luta política. O governo está
ajudando a mostrar que eu estava falando a verdade, e não eles. Não
preciso ser candidato à Presidência para continuar atuando. A
candidatura não é uma carreira.
Mas o sr. pensa em ser candidato novamente?
Não mesmo. Talvez já tenha cumprido o meu papel. O candidato vai ser
aquele que tiver as melhores condições de enfrentar o governo. Meu papel
é manter a oposição forte. O governador de São Paulo [Geraldo Alckmin] é
um nome colocado e tem todas as condições. Outros nomes serão
lembrados. Seria um erro antecipar este processo.
Vê envolvimento da presidente no caso da Petrobras?
Não acho que a presidente se beneficiou de forma pecuniária, para ela,
pessoalmente. Politicamente, claro que se beneficiou. Ela e todo o
governo, desde lá atrás.
Anotações [encontradas em meio ao material apreendido em uma das
empresas] apontam que o sr. teria sido procurado por uma empreiteira
para segurar a CPI. Isso ocorreu?
Nunca. Basta ver o meu papel nisso. Fui eu o responsável, em última
instância, pela instalação da CPI. Estimulei o relatório paralelo da
oposição, que indicia todo mundo.
Teme que o Brasil pare, já que donos das grandes empreiteiras estão presos?
Não. O que tem que parar é a corrupção. Outras empresas surgirão para
ocupar o espaço. Esse discurso é dos que querem que as investigações se
limitem a onde chegaram.
Várias empresas envolvidas na Lava Jato doaram para sua campanha.
Acha que o escândalo forçará mudanças no sistema de financiamento?
Não cometam o equívoco -porque atende o interesse de quem não quer
apuração nenhuma- de confundir doação legal com corrupção, com crime.
Agora, acho que o sistema de financiamento vai ter de ser mudado. Talvez
limitar doações de empresas para que não tenham o peso que tiveram
nestas eleições.
Qual o papel do ex-presidente Lula no caso da Petrobras?
A Justiça vai definir. O fato, e quem diz não sou eu, mas a Polícia
Federal, é que a partir de 2003 constitui-se no seio da Petrobras uma
organização criminosa.
A eleição mudou sua relação? Em setembro, ele disse que o sr. era "amigo". Depois o chamou de "filhinho de papai".
Nunca tratei adversários como inimigos. Era até um pouco cobrado por
isso. Confesso que me decepcionei apenas com o tom, porque a crítica
política deve existir. Não sei se fez bem à alma dele. Acho que ele se
apequenou.
O sr. sofreu dupla derrota em seu Estado. O que aconteceu?
A derrota ensina e a responsabilidade é minha. Houve um processo de
desconstrução, nossa candidatura não conseguiu ampliar forças e perdemos
a eleição. É do jogo. Nunca me achei o dono da vontade dos mineiros.
Desejo que o governador eleito [Fernando Pimentel] tenha sucesso, é
importante para Minas manter as conquistas.
FHC chegou a dizer que Dilma é uma presidente ilegítima. O sr. concorda?
Não chego neste termo. Acho que é uma presidente apequenada pela forma
como venceu as eleições e pela -usando um termo adequado- dependência de
sua base. No momento em que era necessário um presidente que conduzisse
o país, nós temos uma presidente conduzida. Ela começará [o segundo
mandato] de uma forma pior do que termina o primeiro.
FONTE ROTA2014
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