, por Fernão Lara Mesquita
Getúlio Vargas veio para combater a corrupção, impôs o fascismo como
instrumento do desenvolvimento e encarregou o Estado, com o Trabalho e o
Capital a reboque, de promovê-lo. Naufragou na corrupção. Os militares
vieram para combater a corrupção e prevenir a ditadura comunista,
impuseram o autoritarismo tecnocrático como instrumento de
desenvolvimento e encarregaram o Estado, com o Capital a reboque, de
promovê-lo. Naufragaram na corrupção. O PT veio para plantar "a ética na
política", impôs o patrimonialismo assistencialista como instrumento de
desenvolvimento e sujeitou o Capital, o Trabalho e o Estado ao partido
para promovê-lo. Naufragou na corrupção.
Receitas e discursos antípodas, resultados idênticos.
Por mais que lhe mintam na cara, o brasileiro não aprende qual é o valor
do discurso dos políticos. Na Era PT o divórcio entre os fatos e sua
descrição em português tornou-se absoluto, mas o que há de preocupante
nisso não é os governantes mentirem pela gorja, o que é no mínimo um
clássico, mas, sim, os ouvintes terem perdido a condição de identificar
tais mentiras como o que são, mesmo quando elas colidem estrondosamente
com a verdade bem diante dos seus olhos. "Prenda-se a Venina; liberte-se
a Graça!", exatamente diante da prova do crime, é só o epílogo da
última temporada deste invariável "seriado".
Tais enormidades fazem parte da nossa memória atávica. Duzentos anos de
gente sendo incinerada em fogo lento em praça pública ao fim de meses de
tortura excruciante produziram o efeito de banir do horizonte da nossa
consciência a prova empírica como ferramenta válida de estruturação do
pensamento até 12 anos depois da independência do Brasil, quando o
instituto da Inquisição foi finalmente extinto nos reinos de Portugal,
Espanha e Itália (1834).
Por cima dessa trava se derramou outro meio século de sobrevivência da
escravidão, o que refinou o processo de "seleção natural" em que só
permanecia "encarnado" neste mundo quem se mostrasse apto a, com
absoluta convicção, afirmar que "era negro o branco que seus olhos
viam", se assim o desejasse (o feitor ou) o representante do papa,
conforme constava do juramento que antecedia a ordenação dos jesuítas
que, por quase 400 anos, tiveram o privilégio do monopólio da educação
dos brasileiros.
Isso explica por que, enquanto a ponta da civilização palpava a
"harmonia dos mundos" e inventava a ciência e a democracia modernas, nós
tratávamos de salvar nossos corpos fingindo, sob pena de suplício e
morte horripilantes, que tudo o que nos interessava era salvar nossa
alma.
De lá aos nossos dias, porém, a coisa piorou, pois, se não havia quem
não soubesse, naqueles tempos, que tudo não passava de uma palhaçada
sinistra necessária para salvar a pele, hoje há um bom contingente de
brasileiros, trabalhados desde a mais tenra infância nos torniquetes
morais da subversão conceitual gramsciana que domina nossas escolas e
ainda faz reinações em nossos palcos e em nossas redações, que segue
engolindo mentiras sinceramente convencido de se tratarem de verdades.
São cada vez mais raros esses inocentes, posto que a maioria dos que
juram hoje que "é vermelho o marrom que seus olhos veem" o faz só para
salvar seu emprego vitalício desacompanhado de trabalho, sua
aposentadoria precoce não antecedida de contribuições, sua indenização
por prejuízos físicos e morais não necessariamente sofridos, a
valorização da sua "arte" sem concurso de talento, a sua imunidade ao
castigo apesar da monstruosidade dos seus crimes. Mas ainda os há, como
acabam de nos lembrar os irrefreados frêmitos de júbilo "humanitário"
registrados na super-reação de jornalistas, escritores e poetas que
comemoraram como uma estupenda vitória da liberdade a readmissão no
círculo de relacionamentos oficiais do "Grande Satã" da mais longeva das
ditaduras que ainda aniquila e promete continuar aniquilando
jornalistas, escritores e poetas.
É esse mesmo tipo de compulsão suicida da capacidade de intelecção que
reaparece quando, 26 anos depois, com o País atolado até às ventas no
brejo dos tribunais, surge, mesmo fora da carcomida corporação dos
"prestadores de justiça" que lucram com ela, quem ainda afirme
embevecido que a Carta de 88, que trata de regular a tudo e a todos em
todos os níveis do viver na sua sufocante minuciosidade, marca não a
petrificação do Brasil arcaico, mas "a refundação do Brasil democrático"
ao consagrar, agora como fundamento da Nação, o "a cada um o seu
direito e o seu tribunal especiais" segundo o grau da sua fidelidade ao
rei.
É ele que reaparece também quando, 260 escândalos depois, ainda haja
quem aposte que uma sessão de exorcismo a cada década, movida a
discursos "pela ética na política" e a delações premiadas, ainda que "dê
zebra" e custe algo aos donos de foros especiais, será remédio bastante
para nos resgatar de uma vez para sempre dos efeitos obrigatórios que
as nossas ancestrais deformações institucionais vêm produzindo década
após década, governo após governo, século após século.
É ele que reaparece quando, mais uma vez, como desde sempre, sugere-se
que "comigo vai ser diferente"; que o que falta é "vergonha na cara" ou
"amor aos pobres"; que é a "qualidade dos homens", e não a das
instituições, que produz o milagre.
Não é. Nunca foi.
A força da corrupção é inversamente proporcional à quantidade de
democracia investida numa ordem institucional, definida democracia como
igualdade perante a lei, separação entre Estado e Capital, mérito
sobreposto à cooptação, proporcionalidade da representação ("um homem,
um voto") e o grau de sujeição do representante ao representado, ou
seja, o grau de instabilidade dos mandatos e dos cargos públicos que
deveriam ser todos permanentemente sujeitos a recall. É isso que faz as
coisas funcionarem da Califórnia para leste até os "Tigres Asiáticos",
da Noruega para sul até a Nova Zelândia, passando por tudo o que está no
meio, independentemente de culturas ou religiões pregressas.
O resto ou é tapeação ou é terrorismo.
fonte rota2014
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