Servidores que abdicaram de férias para trabalhar em campanha; outros
que cederam horas de trabalho para os chefes; funcionários que tiraram
da conta bancária valores até superiores aos seus vencimentos mensais. O
expediente variou, mas a prática foi a mesma: quase metade dos
parlamentares que concorreram nas últimas eleições recebeu doações de
seus assessores. É a chamada caixinha eleitoral, cuja existência foi revelada pela Revista Congresso em Foco em
sua 13ª edição. Mas os números finais da prestação de contas dos
eleitos em outubro mostram que a caixinha dobrou de tamanho na reta
final da campanha.
Dos 517 deputados e senadores que concorreram a algum mandato este ano,
233 (45%) receberam doações de funcionários de gabinete. Nada menos do
que 749 funcionários contribuíram para os seus respectivos chefes com
serviço, em valor estimado, ou repasse financeiro, conforme as
prestações de contas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O
balanço anterior, do início de setembro, apontava para um total de R$
1,38 milhão em doações feitas por mais de 360 assessores a 135 deputados
e senadores.
A prática, disseminada por praticamente todos os partidos, foi adotada
tanto por parlamentares que alegam possuir poucos recursos financeiros
para bancar a eleição quanto por aqueles que são conhecidos pelo tamanho
da fortuna pessoal. É o caso do deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), dono
do maior patrimônio declarado entre os 513 eleitos para a próxima
legislatura. Com R$ 108 milhões em bens informados à Justiça eleitoral, o
empresário gastou cerca de R$ 5 milhões para conseguir o terceiro
mandato federal. Desse total, R$ 1 milhão saíram do seu próprio bolso.
Ainda assim, Kaefer recorreu à ajuda de 11 funcionários de seu gabinete.
Todos tiraram férias – a maioria por dois meses – para pedir votos para
o chefe no Paraná, de graça. Esses servidores, cujos salários variam de
R$ 845,00 a R$ 3,5 mil – só um deles recebia R$ 9,4 mil –, em vez de
receberem, transformaram o serviço em doação de valor estimável. Em
favor do deputado, deixaram de ganhar R$ 58 mil. Segundo o tucano, não
houve coação, apenas o desejo de seus funcionários em continuar
trabalhando para ele. “Não considero antiético. É natural, como todos os
eleitores, que um assessor queira ver seu candidato eleito. Isso nada
tem a ver com valor de salário”, disse Kaefer.
Petistas na frente
A caixinha eleitoral desconhece diferenças entre partidos, governo ou
oposição. Envolve 20 siglas partidárias. Como já indicava o levantamento
parcial, o PT ficou com a maior fatia do bolo. Dos 88 deputados
petistas, 62 receberam auxílio financeiro ou de serviços de seus
assessores. Uma forcinha de R$ 1 milhão – um terço de todo o montante
doado por funcionários aos chefes no Congresso.
No caso dos petistas, cerca de R$ 500 mil foram transferidos em dinheiro
vivo. As contribuições em empréstimos de equipamentos e veículos ou
cessão de horas de trabalho ou férias – ou seja, em valor estimado –
somaram R$ 251 mil. O restante entrou em cheque, transferência
eletrônica ou no nos cartões de crédito e de débito. Já os tucanos
receberam R$ 410 mil e os peemedebistas, R$ 209 mil.
Para bancar polpudas doações em dinheiro, muitos recorreram a
aposentadorias e até a pensão de viúva. Treze servidores penduraram a
conta: passaram o cartão de crédito para doar R$ 4,1 mil. Teve até
assessor que emprestou um mini trio elétrico para o seu parlamentar
botar o bloco eleitoral na rua.
O deputado Rubens Otoni (PT-GO) se manteve no topo do ranking – ele já
liderava no segundo relatório parcial. O petista recebeu R$ 90,7 mil de
14 servidores do seu gabinete. Alguns contribuíram com R$ 8 mil e R$ 9
mil. “É tradição do partido”, justificou Otoni, reeleito com 115 mil
votos.
Em segundo lugar aparece o senador Mário Couto (PSDB-PA), que não foi
reeleito, com R$ 80,8 mil. A senadora Lídice da Mata (PSB-BA), que
perdeu a eleição para o governo da Bahia, recebeu contribuição de R$
79,4 mil de nove assessores. Desse total, R$ 62 mil foram em valores
estimados.
A senadora afirmou que “as participações solidárias (voluntárias) dos colaboradores ocorreram em período de férias” e que nunca cobrou doações dos servidores.
A senadora afirmou que “as participações solidárias (voluntárias) dos colaboradores ocorreram em período de férias” e que nunca cobrou doações dos servidores.
Férias ou emprego?
Oito assessores do gabinete do deputado Izalci (PSDB-DF) doaram R$ 24
mil para a sua campanha à reeleição. As doações, no valor de R$ 3 mil
cada, foram declaradas no dia 4 de outubro, véspera da votação. O
deputado afirmou que alguns de seus funcionários trabalharam à noite e
nos finais de semana e outros entraram em férias para poder ajudá-lo.
“Quando o deputado perde a eleição, a tendência de eles continuarem é
mínima. Por isso, interessa para todos que o deputado se reeleja”,
explica o tucano. Para Izalci, o servidor prefere abrir mão das férias a
perder o cargo. “Não adianta nada voltar das férias e não ter emprego”,
disse.
O senador Acir Gurgacz (PDT-RO) também recebeu fartas contribuições em
valor estimável. Dez dos seus assessores doaram R$ 63,4 mil. Com salário
líquido de R$ 2 mil, João Ferreira da Silva prestou serviços estimados
em R$ 15,6 mil. Mais uma coincidência: todos declararam a doação em 5 de
outubro, o domingo da eleição.
Bloco na rua
Com salário de R$ 3,5 mil, o assessor José Lopes de Oliveira, lotado no
gabinete do senador Benedito de Lira (PP-AL), teve a oportunidade de
faturar um dinheiro extra nas eleições. Mas preferiu ceder um mini trio
elétrico de sua propriedade para a campanha do senador, um serviço
avaliado em R$ 24 mil. Em vez de receber pelo empréstimo o equivalente a
oito meses do seu salário líquido, declarou o aluguel como doação em
valor estimável. Benedito perdeu a disputa ao governo de Alagoas, mas
segue no Senado por mais quatro anos.
O senador Ataídes de Oliveira (Pros-TO) recebeu R$ 11,1 mil da assessora
Dinikelly Geyser Leal, em valor estimado, em 2 de agosto. Questionado
sobre a doação após o segundo relatório parcial, o senador disse que não
havia autorizado essa prática. “Já pedi para retirar da prestação de
contas”, afirmou. Foi alertado de que só poderia aceitar a doação ou
pagar pelo serviço. “Então, ela vai receber”, assegurou. No relatório
final, a doação foi mantida.
Todos os parlamentares ouvidos pela reportagem afirmaram que as doações
foram espontâneas, sem qualquer coação, de acordo com as normas legais e
sem ferir a ética.
O deputado Nilson Pinto (PSDB-PA), que recebeu R$ 6,7 mil de dois
assessores, em valores estimados, tem outra opinião sobre o trabalho
gratuito dos servidores nas férias. “Em meu gabinete, nenhum assessor
trabalha gratuitamente e todos tiram seus períodos de férias
remuneradas. Quem decidir trabalhar em campanhas eleitorais deve fazê-lo
como cidadão e não como assessor pago com recursos públicos. Os meus
assessores foram exonerados e assim permaneceram durante todo o período
eleitoral”, declarou.
Dinheiro vivo
As doações em espécie, feitas por 365 assessores dos gabinetes de
deputados e senadores, somaram R$ 1,22 milhão – o que representa 41% do
total arrecadado. Apenas 72 servidores optaram pelo jeito mais prático: a
transferência eletrônica, num total de R$ 320 mil. Outros 56 usaram o
cheque para doar mais R$ 269 mil. Muitos usaram mais de uma opção. O
campeão das doações em dinheiro vivo foi o senador Mário Couto, que
levantou R$ 80 mil em seu próprio gabinete. As maiores contribuições
partiram de dois assessores bem remunerados. Hanny Amoras e Paulo
Roberto Pena doaram R$ 12 mil cada. Eles recebem R$ 18 mil por mês.
Candidato derrotado ao governo de Sergipe, o senador Eduardo Amorim
(PSC) deixou o mandato por 120 dias para fazer campanha. Nesse período,
foi substituído pelo suplente Kaká Andrade (PDT-SE). Cinco assessores
mantidos no gabinete de Kaká doaram R$ 35 mil ao titular da vaga – R$ 29
mil em dinheiro vivo. Fernando Oliveira, com salário de R$ 18 mil,
contribuiu com R$ 11,5 mil. Com o mesmo salário, Jorge Fernando Menezes
deu mais R$ 10 mil.
Eduardo Amorim afirma que ninguém comprometeu o orçamento doméstico para
ajudá-lo. “Eles o fizeram de forma espontânea e os valores doados estão
relacionados ao montante que eles ganham anualmente, não ao mês”,
disse. Questionado por que a maior parte dos recursos foi depositada em
espécie, Eduardo Amorim contou que “os doadores fazem da maneira que
desejar, não existe uma maneira mais eficaz ou menos eficaz e ou ainda
‘mais prática’”.
A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) recebeu R$ 24 mil da sua chefe de
gabinete, Muna Zeyn, depositados por meio de cheque. Erundina explicou
que a assessora recebe aposentadoria da prefeitura de São Paulo desde
abril de 2012 e que não vê problema em receber de funcionários. “As
doações espontâneas de pessoas físicas realizadas com a mais absoluta
transparência são coerentes com a ética na política, especialmente no
caso daqueles que têm dedicado o mandato a combater a influência do
poder econômico nas eleições”, disse a deputada.
Conta da viúva
Seis servidores doaram R$ 21,7 mil em espécie para a campanha da
deputada Flávia Morais (PDT-GO). A assessora Maria Raquel do Amaral, com
salário de R$ 4,7 mil, contribuiu com R$ 8,5 mil – mais do que o dobro
dos seus vencimentos líquidos. A servidora disse que sempre fez doações
eleitorais. “Como trabalho com a deputada agora, achei mais lógico fazer
diretamente para ela”. Segundo ela, não que comprometa o seu orçamento.
“Tenho uma pensão, sou viúva.”
O deputado Marcon (PT-RS) recebeu R$ 33 mil de seus funcionários. O seu
chefe de gabinete, Benhur Freitas, afirmou que não há que por que
questionar as contribuições dos assessores. “Além de assessores, somos
militantes, cada um goza suas férias da maneira que lhe bem convier. Uns
vão passear, uns trabalham, outros militam”, respondeu o gabinete.
A maior parte das doações recebidas pelo deputado João Campos (PSDB-GO),
no total de R$ 46 mil, foi em espécie. Ruthleia Machado doou
praticamente todo o seu salário líquido, de R$ 8 mil. Renato Borges Dias
contribuiu com R$ 10 mil em valor estimado. “É direito de cada servidor
gozar as férias da forma que lhe convier, viajando, trabalhando ou
ficando em casa. Muita gente economiza ao longo do ano para investir no
que bem entender”, afirmou o tucano.
O deputado Luiz Couto (PT-PB) recebeu R$ 46 mil de nove servidores,
quase tudo em dinheiro vivo. Alguns doaram R$ 6 mil, R$ 7 mil, mas ele
não vê comprometimento no orçamento dos funcionários. “Entendo que
qualquer assessor com salário acima de R$ 5 mil, R$ 6 mil ou R$ 8 mil
não compromete sua renda, até porque esse tipo de doação não é
permanente”. O deputado também não vê impedimento ético para a doação.
“Doa quem pode doar, ninguém vai rejeitar doação porque é de um
empregado seu”, disse.
FONTE ROTA2014
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