Com Blog do Leandro Narloch - Veja
Os líderes da Coreia do Norte parecem ter saído de um filme de comédia
ou ficção científica, mesmo assim estão tranquilos no poder do país há
66 anos. Em Cuba, não há perspectiva de democracia mesmo se houver
reformas econômicas e fim do embargo. Por que ditaduras, mesmo as mais
patéticas e improducentes, são tão duradouras?
A resposta mais comum mira na capacidade do ditador de aterrorizar
dissidentes ou ameaçá-los com retaliações econômicas. Norte-coreanos
suspeitos de conspiração são logo executados; opositores cubanos perdem
privilégios (como o emprego na universidade ou a vaga num ponto de táxi)
e ganham cargos insalubres no interior do país.
Um artigo da última edição do Journal of Public Choice dá
mais uma explicação – e uma explicação curiosa. Revoluções contra
regimes tiranos são raras por causa do problema de ação coletiva, o
mesmo fenômeno que facilita a pesca excessiva nos oceanos ou que leva
moradores de condomínios com conta coletiva de água a gastarem mais.
O problema clássico da ação coletiva consiste no seguinte: diante de
bens coletivos, as pessoas nem sempre agem individualmente como seria
melhor para elas coletivamente.
Para os pescadores, é melhor que todos deixem de pescar durante a
desova, para que o bem público (os cardumes) seja preservado.
Individualmente, porém, é mais vantajoso pescar a qualquer hora contanto
que os demais não pesquem no período de desova. Se a maior parte dos
pescadores cooperar, os cardumes serão preservados também para o Gerson
que pescou quando não deveria.
Do mesmo modo, para evitar sustos na conta de água do condomínio, é bom
que a maior parte dos moradores economize. No entanto, se um morador
passar uma hora no banho enquanto os outros se limitarem a 5 minutos, no
fim do mês ele pagará a mesma parcela da conta de água que os vizinhos.
Os bens públicos costumam ser “não excludentes” – o benefício que eles
fornecem é dividido entre todos os cidadãos, inclusive aqueles que não
contribuíram. Por isso há pouco incentivo para cada indivíduo cooperar.
Sem garantia da participação dos outros, pouca gente coopera. O
resultado é a “tragédia dos comuns”. Todos pescam demais, e os peixes
acabam. Todos gastam muita água, e os dígitos proliferam na conta do
condomínio.
A revolução contra uma ditadura também é um bem público – e sofre do
mesmo problema. Coletivamente, seria melhor se todos os cidadãos sob um
regime opressor se revoltassem. Individualmente, porém, é mais vantajoso
ficar em casa assistindo Sessão da Tarde enquanto os outros cidadãos
arriscam a vida no movimento rebelde.
Se a revolução fracassar, quem ficou em casa não correu o risco de vida
ou de retaliação econômica. Se a revolução for vitoriosa, o benefício
que ela trouxer será dividido entre todos os cidadãos – inclusive
aqueles que permaneceram no sofá. Como um incentivo desses, ninguém se
revolta. O bem público – a revolução – desaparece. E a ditadura
continua.
Para o economista alemão Thomas Apolte, autor do estudo, a tirania, a
miséria ou a desigualdade social de um país não são incentivos
suficientes para a queda de ditaduras. “É a estrutura dos mecanismos de
comprometimento que é decisiva para explicar revoluções”, diz ele.
A análise das revoluções a partir da teoria dos jogos não é nova. Num
artigo de 1971, Gordon Tullock, um dos grandes economistas do último
século, chegou a afirmar que boa parte da literatura sobre revoluções
precisa ser revista. Historiadores e jornalistas que escreveram sobre o
assunto, diz ele, se concentraram demais na situação de um país antes da
queda do regime. Mas isso, para Tullock, é pouco relevante se comparado
ao balanço entre recompensas e castigos privados dos potenciais
revolucionários. “Revolução é assunto de uma literatura elaborada e
volumosa e, se eu estiver certo, toda essa literatura está errada”, diz
ele.
Uma vítima fácil da teoria dos jogos é a ideia marxista de luta de
classes. Ao acreditar que grupos ou classes agem como indivíduos, Marx
caiu na falácia de composição – o erro de acreditar que o todo tem a
mesma propriedade que a parte. Para a tristeza de cubanos e
norte-coreanos, indivíduos nem sempre agem como seria bom para o grupo
ao qual pertencem.
FONTE ROTA2014
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