A força-tarefa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal no
Paraná terão uma nova frente de investigação sobre supostos desvios e
irregularidades na Petrobras, com base em documentação inédita e
sigilosa remetida às duas instituições. Um trecho da rede de gasodutos
Gasene — uma obra bilionária que interliga Rio de Janeiro e Bahia,
passando pelo Espírito Santo — foi auditado pela área técnica do
Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou suspeitas de
superfaturamento, dispensa ilegal de licitação, inexistência de projeto
básico e pagamento sem a prestação do serviço contratado.
Numa sessão reservada no último dia 9, ministros do TCU chegaram a
apontar a possibilidade de facilitação à lavagem de dinheiro por conta
da complexa engenharia operacional feita pela Petrobras, que conferiu um
verniz de empreendimento privado ao gasoduto.
A auditoria do TCU, com diversas deliberações por conta das supostas
irregularidades, não chegou a ser votada por conta de um pedido de vista
de um dos ministros. Mas o colegiado decidiu que, por conta da
gravidade das suspeitas e da existência de informações relevantes para a
Operação Lava-Jato, uma cópia dos relatórios sigilosos deveria ser
remetida aos integrantes do MPF e da PF que cuidam das investigações
sobre os desvios da estatal.
A remessa, aprovada no dia 9, deveria ser feita com urgência. Além
disso, ficou determinada a abertura de um processo no TCU para
acompanhar as auditorias internas da Petrobras e as próprias
investigações de MPF e PF que envolvam eventuais desvios de recursos
públicos do sistema Gasene. O processo, conforme a deliberação dos
ministros, poderá ser convertido em tomadas de contas especiais,
instrumento usado para reaver recursos desviados. Os procedimentos
tramitam sob sigilo e só são apreciados em sessões fechadas.
Os documentos remetidos à força-tarefa da Lava-Jato tratam
especificamente do trecho de gasoduto entre Cacimbas (ES) e Catu (BA),
com 946,5 quilômetros de extensão e investimentos de R$ 3,78 bilhões.
Para a execução das obras, foi constituída uma sociedade de propósito
específico (SPE), intitulada Transportadora Gasene e com capital
integralmente privado.
Conforme a auditoria do TCU, a Petrobras contratou uma consultoria com o
Banco Santander para a estruturação financeira do projeto. Uma empresa
chinesa, a Sinopec International Petroleum Service Corporation, foi
contratada sem licitação para o gerenciamento da obra. O controle do
projeto ficou sob a batuta da Petrobras. Em janeiro de 2012, a
Transportadora Associada de Gás (TAG), uma empresa do sistema Petrobras,
incorporou a Transportadora Gasene, com ativos da ordem de R$ 6,3
bilhões.
A suspeita é de que a criação da SPE objetivou evitar os procedimentos
licitatórios e o controle de órgãos externos. Entre as irregularidades
apontadas no relatório técnico, estão fuga à licitação nos contratos
feitos; projetos básicos deficientes ou inexistentes; superfaturamento
por conta de preços excessivos em relação aos praticados pelo mercado;
pagamentos sem os correspondentes serviços; e execução das obras sem a
dotação de recursos na Lei Orçamentária Anual de 2008.
Os técnicos também apontaram pagamento indevido na contratação da
Sinopec, por R$ 266,2 milhões, para gerenciar a construção do gasoduto
entre Cacimbas e Catu. Estaria havendo duplicidade de pagamentos, uma
vez que a própria Petrobras estava encarregada pelo gerenciamento dos
contratos, ao custo de R$ 310 milhões.
Ao longo da auditoria, a Petrobras apresentou sua defesa, mas os
técnicos consideraram válido somente o argumento relacionado à
duplicidade de pagamentos — a irregularidade deveria ser excluída da
decisão final, conforme a sugestão do relatório. Todas as outras devem
continuar válidas, pois o esclarecimento da Petrobras foi considerado
insuficiente.
O processo aponta dois responsáveis a serem investigados: o então
presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, e o então presidente da
Transportadora Gasene, Antônio Carlos Pinto de Azeredo. Os técnicos
sugerem que os dois sejam multados por conta das supostas
irregularidades.
OBRA INCLUÍDA NO PAC
O argumento mais recorrente da petrolífera é que o capital empregado no
empreendimento é privado e que a estatal não tinha qualquer sociedade na
SPE. Mas os técnicos do TCU discordaram. Primeiro, porque a Petrobras
ficou obrigada a saldar dívidas em caso de inadimplência em relação a
empréstimos concedidos pelo BNDES. Depois, pelo fato de a Transportadora
Gasene ter outorgado à estatal todos os deveres e obrigações referentes
aos contratos do gasoduto entre Cacimbas e Catu, exceto a realização de
pagamentos.
O TCU começou a auditar as obras porque o empreendimento foi incluído no
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além disso, o gasoduto
contou com financiamentos do BNDES de até 80% do valor previsto.
A presidente da Petrobras, Graça Foster, tem 30 dias para apresentar
três tipos de documentos, conforme decidido na sessão reservada do TCU
do último dia 9: a composição unitária dos preços dos serviços na
construção do gasoduto; os projetos básicos; e a identificação dos
responsáveis — com nome, cargo e CPF — por aprovar as propostas de
preços dos contratos. Os ministros também aprovaram a realização de
audiências com os representantes das empresas envolvidas nas obras, como
a Sinopec, a Galvão Engenharia e um consórcio integrado pela Mendes
Júnior Trading, entre outros. Executivos da Galvão e da Mendes Júnior
foram denunciados pelo MPF por conta do suposto envolvimento no esquema
de propinas investigado na Lava-Jato. O GLOBO procurou a Petrobras no
início da tarde de segunda-feira, mas não houve resposta até o
fechamento da edição.
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