editorial do Estadão
É bem a cara do PT, que imagina ser o governo sua propriedade, a
intenção de Dilma Rousseff de dificultar ao máximo para a equipe de
Michel Temer a transmissão de funções que se dará tão logo a presidente
tenha seu afastamento provisório do cargo decretado pelo Senado, em
decorrência do processo de impeachment. Como o Estado apurou,
a ordem do Planalto que está sendo repassada a todos os Ministérios, em
particular àqueles controlados pelo PT, é que nenhuma informação seja
transmitida aos “golpistas” que estarão assumindo. Com sabotagem da
administração pública, Dilma e os petistas pretendem registrar seu
protesto contra o “golpe” de que se consideram vítimas e dificultar o
trabalho dos novos e “ilegítimos” responsáveis pela administração
federal. Mas estarão prejudicando, na verdade, aqueles para quem o
governo deve trabalhar: os cidadãos brasileiros.
Os petistas e a própria Dilma Rousseff estão convencidos de que a
batalha do impeachment está perdida, daí essa decisão absurda e
irresponsável de pura revanche, que foi informada a deputados
governistas – alguns dos poucos que sobraram – em reunião realizada na
terça-feira com o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Ricardo
Berzoini, e o presidente nacional do PT, Rui Falcão. Essa sabotagem
revanchista, reveladora da absoluta carência de genuíno espírito público
de um partido que desde que assumiu o governo elegeu como prioridade a
perpetuação de seu projeto de poder, faz parte da estratégia com a qual
os petistas, com o apoio das entidades e organizações sociais que
controlam, já começaram a “infernizar” a vida de Michel Temer, mesmo
antes da instalação do governo provisório.
Na manhã de quinta-feira – e este é apenas um exemplo da ação de
guerrilha já em curso –, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST)
promoveu a paralisação do trânsito em pelo menos 13 avenidas e rodovias
da Grande São Paulo, com o objetivo, segundo nota divulgada, de
“denunciar o golpe em curso no País e defender os direitos sociais, que
serão ameaçados pela agenda de retrocessos apresentada por Michel Temer
caso assuma a Presidência”. Em tom ameaçador, acrescenta a nota: “Não
aceitaremos golpe. Nem nenhum direito a menos. Vai ter luta e
resistência popular”. CUT, MST e UNE, entre outras entidades que
gravitam na órbita do PT, planejam a execução contínua de ações
semelhantes. É óbvio que a maior prejudicada de imediato por essas ações
de verdadeiro terrorismo urbano é a população, cuja mobilidade fica
gravemente comprometida. Mas, em nome de uma “causa popular”, para os
“defensores da democracia”, quanto pior, melhor.
O desespero dos petistas diante da forma vergonhosa como seu ciclo de
hegemonia política está se extinguindo leva-os a escancarar a
intolerância que, mesmo no exercício do poder, sempre foi uma
característica marcante de seu comportamento político. Essa intolerância
sempre esteve na raiz da estratégia de dividir o País entre “nós” e
“eles” e agora se acentua na ilusão de que será possível promover um
retorno de pelo menos 14 anos na história do Brasil, quando a estrela do
PT era símbolo da renovação das práticas políticas que promoveriam o
progresso e a justiça social. Para o PT, o progresso era então um
privilégio das elites e a injustiça social o meio para mantê-lo.
Assumiram o poder, substituíram o progresso pela incompetência e a
justiça social pela corrupção generalizada e, ao darem com os burros
n’água, voltam agora a responsabilizar “eles” por todos os males que
afligem os brasileiros. Só a intolerância com “eles” poderá salvar o
Brasil – é a palavra de ordem que desmascara a vocação autoritária de
Lula e seus bajuladores e promete levar às ruas não a saudável
manifestação do contraditório democrático, mas o rancor rançoso do
fundamentalismo populista.
Tudo indica que querem que seja assim: depois de Dilma ser afastada
provisoriamente da Presidência, ela e Lula transformam o Palácio da
Alvorada em bunker da “resistência democrática” e ambos saem pelo País e
pelo mundo – se possível, em aviões da FAB – provocando indignação
geral contra o “golpe” e a catastrófica recessão da economia brasileira,
o insuportável aumento do custo de vida, o devastador aumento do
desemprego. Tudo, é claro, por culpa “deles”. Alguém duvida?
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