FELIPPE HERMES
Sérgio Paulo Rouanet. Esse era o nome do Secretário da Cultura do governo Collor quando a Lei Federal de Incentivo à Cultura
foi sancionada. A ideia era simples: criar políticas públicas para a
cultura nacional através de renúncia fiscal. Ou seja, promover e
estimular a produção cultural e artística brasileira, com valorização de
recursos humanos e conteúdos locais. Assim nasceu a Lei Rouanet.
Pela lei,
projetos aprovados pelo governo podem captar recursos de pessoas físicas
ou de empresas, que serão posteriormente abatidos fiscalmente (leia-se:
ao invés de um imposto para o governo, o empresário tem a possibilidade
de reverter o dinheiro, ainda que de forma impositiva, em propaganda
para um evento cultural). O problema é a concentração que a lei cria
dessa forma, deturpando completamente o seu propósito de universalizar a
cultura, criando um verdadeiro latifúndio cultural – visto que o
resultado inevitável dela acaba sendo promover grandes artistas, que
geram visibilidade à marca, em detrimento de artistas desconhecidos.
Assim,
apenas 3% dos projetos aprovados pela Lei Rouanet em 2014 – ou seja,
ligados aos artistas mais ricos e conhecidos do país – receberam a metade do
total de recursos captados. São R$ 650 milhões de “investimento” em
cultura. Tamanha concentração mais do que cria uma classe de artistas
muito bem subsidiadas pelo governo, como escancara que o objetivo de
ampliar a cultura em si está longe de ser cumprido pela lei.
E pra
piorar, a lei constantemente permite que projetos internacionais, com
grande visibilidade, obtenham captações milionárias. Duvida? Temos 10
exemplos disso abaixo.
Os valores
contidos nesta matéria estão todos registrados no SALIC, o sistema do
Ministério da Cultura responsável por gerir as informações relativas à
Lei Rouanet.
1. Exposição Cai Guo Qiang
Número do projeto: 1111951
O artista
chinês radicado em Nova York, Cai Guo Qiang, é uma das revelações das
artes plásticas da atualidade. Realizada pela mesma produtora que buscou
trazer as obras de Ai Wei Wei, sua exposição chegou a ocorrer, e contou
também com apoio da Lei Rouanet.
A exposição contou com obras realizadas por camponeses chineses sob a supervisão do artista plástico.
Para o
projeto, a produtora solicitou R$ 3,051 milhões. Teve, porém, aprovados
R$ 3,022 milhões e, ao final, conseguiu captar R$ R$ 2,83 milhões deste
valor.
2. Cirque Du Soleil
Número do projeto: 046458
O
tradicional circo canadense Cirque Du Soleil, fundado em 1982, é um
verdadeiro exemplo de como a arte tornou-se um negócio dos mais
lucrativos. Com um faturamento de R$ 2,2 bilhões, os espetáculos
preparados pela trupe de Montreal podem ser vistos em quase todo o
planeta. Apesar das apresentações físicas sediadas em Las Vegas, o circo
é verdadeiramente itinerante, e já rodou diversas cidades brasileiras. E
com apoio do Ministério da Cultura.
À época da
proposição, o projeto gerou polêmica. A etapa de São Paulo, na qual a
empresa responsável esperava captar até R$ 22 milhões, teve autorização
para captar R$ 9,4 milhões.
Na época da realização (em 2005), os ingressos chegaram a custar mais que um salário mínimo.
3. Blue Man Group
Número do projeto: 130496 / 130162
A
companhia norte-americana Blue Man Group, formada por 3 artistas
completamente pintados de azul, apresentou-se em dezenas de países nos
seus 29 anos de existência. No Brasil, chegou a participar de comerciais
para operadoras de telefonia, além de realizar apresentações em
teatros.
A
temporada do grupo em São Paulo, com 7 meses e 104 apresentações
previstas, teve valor aprovado no MinC de R$ 6,433 milhões. Apesar da
disposição do ministério em apoiar os artistas americanos, porém, o
projeto foi arquivado pelo proponente.
Em outra
ocasião, os 3 artistas receberam apoio de R$ 3,75 milhões da lei, mas
acabaram novamente não se utilizando dos recursos.
4. Circo Imperial da China
Número do projeto: 010691 / 042770
Um dos
mais tradicionais do planeta, o Circo Imperial da China esteve no Brasil
para uma turnê, em 2007. A organizadora do evento, a companhia de
capital aberto Time For Fun, possuía por objetivo realizar quatro
apresentações nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto
Alegre.
Dos R$ 2,012 milhões solicitados, a companhia teve autorização para captar R$ 1,4 milhão, e terminou captando R$ 1,25 milhão.
Em outra ocasião, a companhia teve autorização para captar R$ 2,18 milhões, mas acabou não captando.
5. Exposição Ai Weiwei
Número do projeto: 158637
O artista
chinês Ai Weiwei, conhecido por obras como o Estádio Ninho do Pássaro,
sede das Olimpíadas de 2008, tornou-se consagrado mundialmente tanto por
suas obras quanto por sua resistência política ao Partido Comunista
Chinês.
Ao rodar o
mundo, a exposição internacional de suas obras despertou interesse de
produtoras brasileiras. Para trazer as obras, porém, a produtora
Magnetoscópio, esperava contar com apoio da Lei Rouanet. Pedindo R$
4,247 milhões de renúncia, a companhia teve aprovação para captar R$
4,081 milhões. Nenhum valor porém chegou a ser captado.
6. Disney on Ice
Número dos projetos citados: 1310419 – 1411181 – 158047
Maior
companhia de entretenimento do mundo, a americana Walt Disney é hoje uma
gigante, com atuação que se estende dos seus famosos parques de
diversão, para a redes de televisão, estúdios de cinema, produções
teatrais, hotéis, linhas de cruzeiro e até mesmo uma lha particular no
Caribe. Sozinha, a companhia é responsável por gerar um faturamento
superior ao de toda produção cultural brasileira somada (no Brasil,
cultura representa expressivos 2,5% do PIB, ou R$ 126 bilhões, segundo a
última pesquisa feita pelo setor).
Para realizar o já tradicional “Disney on ice”,
com mais de 20 anos de existência no Brasil, a companhia e sua parceira
local, a Feld Entreteniment, utilizam-se há algum tempo do mecanismo de
renúncia fiscal da Lei Rouanet.
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