Jornalista Andrade Junior

domingo, 29 de maio de 2016

"À espera dos detalhes"

 José Paulo Kupfer: O Globo

Foi positiva a reação à proposta de impor teto aos gastos públicos e indexá-lo à inflação, mas surgiram dúvidas sobre como isso vai funcionar na prática



Se é nos detalhes que mora o diabo, o dito-cujo ainda está à solta no meio das propostas de reequilíbrio fiscal apresentadas esta semana pelo governo do presidente em exercício Michel Temer. Ficaram mais claros os critérios imaginados pela equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para conter as despesas públicas, reduzir o déficit primário e, em consequência, reverter a trajetória explosiva da dívida pública. Mas como isso vai funcionar no cotidiano das ações do governo e quais seus efeitos ao longo do tempo no conjunto das contas públicas são coisas ainda em aberto.
Em resumo, o governo está propondo estabelecer um limite global para os gastos públicos, reajustado a cada ano pela inflação do ano anterior, a partir dos níveis definidos pela nova — e relativamente folgada — meta fiscal para 2016, aprovada pelo Congresso na madrugada desta quarta-feira. Caberia ao Congresso fixar despesas para cada rubrica do Orçamento, mas atendendo ao teto estabelecido pela regra de indexação para o conjunto dos gastos.
Gastos sociais, em especial os destinados à Saúde e à Educação, áreas que consomem duas das três maiores parcelas individuais do Orçamento, segundo a proposta do governo, entrariam no bolo. Ainda não está claro, porém, se o mesmo ocorrerá com a Previdência, de longe o maior item do gasto público, sem contar os juros da dívida pública. De acordo com promessas de Meirelles, a Previdência merecerá uma proposta específica de reforma, na mesma linha de refrear a expansão de suas despesas, que evoluem conforme fatores também específicos, como os demográficos.
Embora tenha sido positiva a reação inicial à direção indicada pela proposta oficial — tentar enfiar a obesa despesa pública no figurino mais magro da receita —, o mercado não escondeu o temor de que haja dificuldades para mantê-la íntegra no processo de negociação política, mesmo com a composição favorável articulada no Congresso. Também lançou dúvidas sobre os efeitos concretos do controle de gastos, com base na fórmula de reajuste dos tetos de despesa pela inflação passada.
Em relação à proposta de limitar gastos públicos formulada em março pelo ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, que o Congresso nem chegou a discutir, a fórmula agora oferecida, como bem destacou Meirelles, tem a vantagem da simplicidade. No desenho sugerido pelo governo da presidente afastada Dilma Rousseff, o volume de despesas obedeceria a um limite plurianual inserido no Plano Plurianual (PPA), correspondente a uma porcentagem do PIB, que seria transformado em teto nominal na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em caso de descumprimento do teto, reduções graduais e automáticas de gastos seriam acionadas, havendo ainda previsão para a preservação de gastos sociais, quando a economia crescesse pouco ou contraísse, pela via de um contingenciamento especial, de acordo com normas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Na proposta do governo Temer, não há válvula de escape para gastos sociais ou quaisquer outros, mas a indexação pela inflação acabaria funcionando como uma regra contracíclica, quando, por exemplo, o crescimento econômico fosse baixo, e a variação da inflação ficasse acima da expansão do PIB — a tendência, nesse caso, seria de ocorrer um aumento da proporção de despesas em relação ao PIB e, em consequência, elevação do déficit primário ou redução do superávit. Quando o crescimento da economia fosse forte e acima da variação da inflação, a situação tenderia se inverter, com a produção de superávits primários maiores, mas, na atual conjuntura e por um tempo razoável no horizonte, essa é uma hipótese pouco provável. Assim, o que seria conveniente do ponto de vista redistributivo, operaria na contramão de contenção dos gastos e do esforço de ajuste fiscal.
Parecem ter razão, em resumo, aqueles que, ao classificar a proposta Temer/Meirelles como positiva, estão à espera dos detalhes que fechem a conta — alguns, na verdade, nem são tão detalhes assim e estão ligados à necessidade talvez incontornável, mas ainda não desnudada oficialmente, de aumentar a carga tributária para turbinar a arrecadação.
extraídaderota2014blogspot

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