José Paulo Kupfer: O Globo
Se é nos detalhes que mora o diabo, o dito-cujo ainda está à solta no
meio das propostas de reequilíbrio fiscal apresentadas esta semana pelo
governo do presidente em exercício Michel Temer. Ficaram mais claros os
critérios imaginados pela equipe do ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, para conter as despesas públicas, reduzir o déficit primário
e, em consequência, reverter a trajetória explosiva da dívida pública.
Mas como isso vai funcionar no cotidiano das ações do governo e quais
seus efeitos ao longo do tempo no conjunto das contas públicas são
coisas ainda em aberto.
Em resumo, o governo está propondo estabelecer um limite global para os
gastos públicos, reajustado a cada ano pela inflação do ano anterior, a
partir dos níveis definidos pela nova — e relativamente folgada — meta
fiscal para 2016, aprovada pelo Congresso na madrugada desta
quarta-feira. Caberia ao Congresso fixar despesas para cada rubrica do
Orçamento, mas atendendo ao teto estabelecido pela regra de indexação
para o conjunto dos gastos.
Gastos sociais, em especial os destinados à Saúde e à Educação, áreas
que consomem duas das três maiores parcelas individuais do Orçamento,
segundo a proposta do governo, entrariam no bolo. Ainda não está claro,
porém, se o mesmo ocorrerá com a Previdência, de longe o maior item do
gasto público, sem contar os juros da dívida pública. De acordo com
promessas de Meirelles, a Previdência merecerá uma proposta específica
de reforma, na mesma linha de refrear a expansão de suas despesas, que
evoluem conforme fatores também específicos, como os demográficos.
Embora tenha sido positiva a reação inicial à direção indicada pela
proposta oficial — tentar enfiar a obesa despesa pública no figurino
mais magro da receita —, o mercado não escondeu o temor de que haja
dificuldades para mantê-la íntegra no processo de negociação política,
mesmo com a composição favorável articulada no Congresso. Também lançou
dúvidas sobre os efeitos concretos do controle de gastos, com base na
fórmula de reajuste dos tetos de despesa pela inflação passada.
Em relação à proposta de limitar gastos públicos formulada em março pelo
ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, que o Congresso nem chegou a
discutir, a fórmula agora oferecida, como bem destacou Meirelles, tem a
vantagem da simplicidade. No desenho sugerido pelo governo da presidente
afastada Dilma Rousseff, o volume de despesas obedeceria a um limite
plurianual inserido no Plano Plurianual (PPA), correspondente a uma
porcentagem do PIB, que seria transformado em teto nominal na Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em caso de descumprimento do teto,
reduções graduais e automáticas de gastos seriam acionadas, havendo
ainda previsão para a preservação de gastos sociais, quando a economia
crescesse pouco ou contraísse, pela via de um contingenciamento
especial, de acordo com normas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Na proposta do governo Temer, não há válvula de escape para gastos
sociais ou quaisquer outros, mas a indexação pela inflação acabaria
funcionando como uma regra contracíclica, quando, por exemplo, o
crescimento econômico fosse baixo, e a variação da inflação ficasse
acima da expansão do PIB — a tendência, nesse caso, seria de ocorrer um
aumento da proporção de despesas em relação ao PIB e, em consequência,
elevação do déficit primário ou redução do superávit. Quando o
crescimento da economia fosse forte e acima da variação da inflação, a
situação tenderia se inverter, com a produção de superávits primários
maiores, mas, na atual conjuntura e por um tempo razoável no horizonte,
essa é uma hipótese pouco provável. Assim, o que seria conveniente do
ponto de vista redistributivo, operaria na contramão de contenção dos
gastos e do esforço de ajuste fiscal.
Parecem ter razão, em resumo, aqueles que, ao classificar a proposta
Temer/Meirelles como positiva, estão à espera dos detalhes que fechem a
conta — alguns, na verdade, nem são tão detalhes assim e estão ligados à
necessidade talvez incontornável, mas ainda não desnudada oficialmente,
de aumentar a carga tributária para turbinar a arrecadação.
extraídaderota2014blogspot
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