editorial de O Globo
País de bizarrices políticas, típicas de uma sociedade ainda sem longa
vivência na estabilidade institucional, o Brasil tem uma característica
que é a necessidade de se enfatizar o óbvio em momentos de tensão. É
quando costumam surgir, como agora, propostas para supostamente se
contornar crises, mas que, na verdade, são atalhos na tentativa de
salvar grupos com estabilidade no poder quase monárquica. Ou com
aspiração para tal. A crise do impeachment de Dilma e da defenestração
do PT do governo, em cuja permanência pensava eternizar-se, é exemplar.
Ao lado da mais séria turbulência econômica pelo menos desde o final da
República Velha, a Operação Lava-Jato também cumpre um função
aceleradora do impedimento da presidente.
Quanto mais não seja porque os crimes de responsabilidade de que Dilma é
acusada foram cometidos na condução de manobra para maquiar a trágica
situação fiscal do país, mas também no ambiente pantanoso e obscuro do
assalto à Petrobras e a outras estatais, cometido pelo lulopetismo, para
financiar seu projeto de poder com finalidades bolivarianas.
É curioso que Lula, Dilma e PT conspiraram contra a Lava-Jato e agora
denunciam um “golpe” do PMDB e da antiga oposição com o mesmo objetivo.
Reforçam a tese farsesca com as recentes gravações vazadas feitas pelo
ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em conversa com o senador
Romero Jucá, exonerado do Planamento por esta razão, e com o presidente
do Senado, Renan Calheiros, das quais emergem evidências de maquinações
também contra a Lava-Jato. Não que inexistiram, porém imaginar que o
impeachment surgiu de uma conspiração contra a operação é exagerar no
ficcionismo.
Toda essa conspiração, de lulopetistas como de bandas peemedebistas,
contra a devassa anticorrupção que vem sendo feita por organismos de
Estado desde o mensalão se mostra infrutífera, e assim continuará sendo,
por uma razão: as instituições republicanas felizmente já se
fortaleceram a ponto de resistir a este tipo de conspirata.
De resto, ingênua: como o presidente da República irá combinar com
ministros do Supremo fazer vista grossa a sólidas denúncias contra
políticos e executivos de estatais, num caso de repercussão mundial? O
Ministério Público aceitará ser coadjuvante na farsa? As respostas são
óbvias.
Esquecem-se, ainda, que tudo está assentado sobre a Constituição, também
base do processo de impeachment de Dilma, da Lava-Jato e de tudo o
mais. E todas as alternativas para se contornar a crise encontram-se na
Carta. Não é preciso inventar. É o óbvio, porém precisa ser dito.
O próprio presidente interino, um constitucionalista do Largo de São
Francisco, se declara consequência da Constituição. Completa: “Não eu
propriamente. O vice-presidente da República é uma consequência do texto
constitucional”, disse no pronunciamento que fez anteontem, antes do
anúncio das medidas econômicas. Com este perfil político e de formação
intelectual e profissional, Temer reafirma que nada fará contra a
apuração dos crimes. “Ao contrário, vamos sempre incentivá-la”, disse
nessa mesma ocasião.
No PT e entre peemedebistas há pressão para esterilizar-se a delação
premiada, proibindo-se acordo com quem esteja preso. Equivale a
revogá-la. Quer-se também que o Supremo reveja a decisão de fazer valer a
pena, para efeito de cumprimento, na confirmação da sentença em segunda
instância. Grave retrocesso. Mas, como diz Temer, tem que ser o
contrário. Ou seja, aprofundar-se a faxina ética na política, a partir
de aperfeiçoamentos legais. Não pode haver no Brasil um day after na
Lava-Jato como houve na Operação Mãos Limpas italiana. Com vitórias de
corruptos e populistas.
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