FELIPPE HERMES
Quantas
vezes é possível a um político mentir ou omitir a situação de um país
até ser finalmente descoberto? Para Dilma Rousseff, no que diz respeito
às contas públicas do país, a resposta é “pelo menos duas vezes”. É o
que deixa claro o novo Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, segundo o
qual, o déficit real do país, deixado por Dilma, estava 171%
acima daquele previsto pela presidente afastada para este ano. Os R$
170,5 bilhões de rombo descobertos por Meirelles preocupam, porém conta
apenas parte de uma história que pode chegar a outros valores
incomparavelmente maiores: R$ 4,017 trilhões. Que número é esse? O tamanho real da dívida brasileira.
Vistos da
TV, os números e anúncios do ministro parecem distantes e pouco ligados
ao seu cotidiano. Até que eles realmente impactem sua vida, seja de
forma clara como um novo imposto (como a volta da CPMF), ou um aumento
no preço dos combustíveis, você já terá esquecido e muito provavelmente
não irá ligar uma coisa a outra. Numa conta simples, se o déficit no ano
foi de R$ 170,5 bilhões num país onde há 90,639 milhões empregados,
assumindo a bomba, cada um arcará com um singelo custo de R$ 1.881,08
(ou, R$ 156,75 mensais). Tudo isso sem incluir o déficit de 2015 ou de
2014.
O prejuízo
gerado em um único ano pode ser quantificado. São 6 vezes o orçamento
do programa Bolsa Família, 1 ano de salários do funcionalismo público, 8
anos de orçamento das universidades públicas federais, 2 vezes o valor
gasto em educação. Nada disso, no entanto, leva em consideração o
problema central: não vivemos em um mundo isolado onde as contas de um
ano ficam naquele ano. Somando tudo até aqui, o resultado é um só: R$ 4
trilhões em dívidas.
Como chegamos a este valor?
Nos três anos de crise que temos até aqui, a dívida bruta do governo saiu de 53% para prováveis 72% do PIB
ao final do ano (e isso numa projeção otimista). Em outras palavras, um
crescimento de R$ 1,3 trilhões em dívida,apenas nos últimos 3 anos. O
resultado pode ainda parecer pequeno quando comparado ao de países ricos
(que devem muitas vezes 100% de seu PIB), mas substancial quando
acrescentamos outro ingrediente à receita: os juros. Enquanto os EUA,
por exemplo, financia sua dívida com juros de 1,5% ao ano, por aqui eles
chegam a 14,25% ao ano.
Deste
total, o peso dos déficits primários, como o anunciado ontem, não
parecem tão relevantes (R$ 32,53 bilhões em 2014, R$ 119 bilhões em 2015
e R$ 170,5 bilhões em 2015). Leia-se: menos de 1/5 do aumento total da
dívida. E a razão para isso é simples. O tal déficit primário é apenas
parte da história.
Por
“primário”, entendemos receita – despesa sem incluir receita ou despesa
financeira. Em outras palavras, tudo que o governo arrecada menos o que
ele gasta, sem considerar ganhos financeiros ou os juros da dívida.
Quando incluímos o custo da dívida, chegamos ao chamado resultado
‘nominal’, e é aí que a brincadeira fica mais séria. Apenas nos últimos
12 meses, nosso resultado nominal, que inclui os juros, ficou negativo
em R$ 579,3 bilhões (uma bomba de R$ 6.391,00 para cada brasileiro empregado).
O fato de
usarmos o resultado primário mais rotineiramente possui uma razão. Ao
economizarmos recursos para abater os juros ou a dívida, contando com o
crescimento do país, conseguimos estabilizar ou mesmo fazer a relação
“dívida/PIB” cair, fazendo com que ela se torne um peso menor.
Empresas e
governos necessitam de dívida. Seja para realizar investimentos ou
fazer política monetária. É praticamente impossível que exista hoje uma
grande empresa ou um governo sem dívida. Neste cenário, garantir que ela
esteja sob controle é fundamental.
E é
exatamente esta a importância de se poupar dinheiro e não registrarmos
déficits como os deste ano. Ao gastarmos menos, temos menos necessidade
de pedir empréstimos e assim, acabamos conseguindo pagar juros menores.
Sem este controle, nossa dívida explode, dificultando a oferta de
serviços públicos ou mesmo reduzindo o dinheiro que você tem no bolso.
E como isso afeta minha vida?
Falar em
termos “macros” muitas vezes significa apenas dizer palavras
complicadas, e nada mais do que isso. Superávit, déficit, nominal,
primário, CPMF, política fiscal ou monetária. Nada disso possui a menor
relevância se não houver como explicar o que importa, o objetivo final
da economia: o impacto disso no seu bem-estar. Sem isso, este economês é
só isso, um jogo de palavras.
Os
resultados de um governo que gasta demais são mais simples de entender
do que você pode imaginar. Basta pensar na quantidade de recursos como
um pote gigante cheio de dinheiro. Famílias, empresas e governo recorrem
a ele sempre quando precisam de dinheiro emprestado, e quando possível,
colocam nele os juros ou parte do que pegaram antes. Cada vez que o
governo demanda mais recursos, a quantidade de dinheiro no pote diminui
mais rápido, e aqueles que detém este dinheiro (fundos de pensão, fundos
de investimento, seguradoras, bancos, etc) têm de escolher quem pode ou
não pegar este dinheiro. Na medida
em que demanda mais empréstimos, o governo contribui para elevar os
juros na economia – ou seja, fica mais caro investir ou comprar a prazo.
É o seu carnê na loja que se dará mal no final.
O mais
óbvio dos resultado, no entanto, é o impacto de um novo imposto, que via
de regra é mais transparente e direto. Você sabe quando eles aumentam e
percebe no aumento de preços. Em 2015, dez estados, além do Distrito
Federal, elevaram impostos, na maioria dos casos, sobre combustíveis ou
energia.
Como o governo pretende pagar essa dívida?
Pagar a
dívida, ou ao menos torná-la administrável, não é uma tarefa fácil.
Muito mais do que uma equipe econômica bem alinhada e que saiba a
necessidade real de um ajuste, cortar gastos ou elevar receitas é algo
que ainda depende do Congresso.
Não é de
se estranhar, portanto, que a bolsa e o dólar não tenham reagido tão bem
à primeira semana do governo Temer. Além de descobrirmos que a situação
do país era pior que a imaginada, sem o Congresso é impossível aprovar
qualquer ajuste fiscal.
Para
controlar a dívida, porém, novos impostos, ou velhos como a CPMF, além
das privatizações, são apenas uma pequena parte do caminho. Sem um
crescimento da economia é impossível imaginar qualquer melhora neste
quadro.
A exemplo
do que fez Dilma, Temer deve continuar mantendo reajustes ao
funcionalismo público abaixo da inflação. Possivelmente, como fez Dilma
no último Dia do Trabalhador, quando anunciou seu “pacote de bondades”
(nome dado por ela e assessores), também reajustará a tabela de imposto
de renda abaixo da inflação, elevando ainda mais o peso dos impostos
sobre os mais pobres.
Vender
patrimônio teria um impacto relativamente baixo neste déficit. Se nós
somarmos o valor de todas as mais de uma centena de empresas públicas,
elas valem o equivalente ao déficit de 2015 e 2016 somados. A venda,
porém, seria uma alternativa para atrair investimentos que geram emprego
e renda.
Um calote da dívida é algo possível?
Com nove
calotes entre 1898 e 1990, o Brasil é um país acostumado a encarar o
governo com incertezas. Desta vez, após um período de estabilidade, ao
contrário do que possa parecer, não é absurdo assumir que podemos voltar
a cometer equívocos tão presentes no nosso passado. Com um Congresso
que pressiona o governo contra ajustes e há quase duas décadas se nega a
votar as reformas tributária e previdenciária, esperar que um ajuste
fiscal como o proposto seja bem recebido – e votado com a agilidade que a
recessão da economia brasileira demanda – é algo no mínimo improvável.
Diante
deste cenário, com uma alta que pode chegar a 80% do PIB em 2018, um
calote faz parte da série de especulações sobre como o governo lidará
com a questão da dívida.
Por se
tratar de moeda nacional, no entanto, esses riscos são menores. A
exemplo do que inúmeros países já fizeram, como o próprio Estados Unidos
após a Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro pode ver na
inflação um meio de diminuir a dívida e o seu custo.
A forma
como isto seria feito é um pouco complexa, mas basta lembrar que em
períodos de inflação, aquele que detém acesso aos bancos para se
proteger (seja com investimentos ou poupança) acabam sendo beneficiados.
Num país com 55 milhões de brasileiros sem uma mísera conta em banco, não é difícil imaginar quem pagará essa fatura.
Reduzir o
peso da dívida por meio da inflação significa tirar parte do poder de
compra de cada pessoa. Na prática, a população empobrece sem nem saber
que está pagando imposto – no caso, o chamado “imposto inflacionário”.
Outro efeito disto seria um aumento da desigualdade – que cresce sempre
junto da inflação, exatamente por que alguns se protegem mais do que
outros.
De certeza
em toda essa história, apenas o fato de que o ajuste será feito como
sempre foi: em cima daqueles que sustentam o governo, e não do próprio
governo. E sem ele, nossa dívida continuará aumentando ainda mais. Até
explodir. E no seu colo.
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