Jornalista Andrade Junior

domingo, 29 de maio de 2016

A dívida brasileira chegou a inacreditáveis R$ 4 trilhões. E ela não para de crescer.

FELIPPE HERMES

Quantas vezes é possível a um político mentir ou omitir a situação de um país até ser finalmente descoberto? Para Dilma Rousseff, no que diz respeito às contas públicas do país, a resposta é “pelo menos duas vezes”. É o que deixa claro o novo Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, segundo o qual, o déficit real do país, deixado por Dilma, estava 171% acima daquele previsto pela presidente afastada para este ano. Os R$ 170,5 bilhões de rombo descobertos por Meirelles preocupam, porém conta apenas parte de uma história que pode chegar a outros valores incomparavelmente maiores: R$ 4,017 trilhões. Que número é esse? O tamanho real da dívida brasileira.
Vistos da TV, os números e anúncios do ministro parecem distantes e pouco ligados ao seu cotidiano. Até que eles realmente impactem sua vida, seja de forma clara como um novo imposto (como a volta da CPMF), ou um aumento no preço dos combustíveis, você já terá esquecido e muito provavelmente não irá ligar uma coisa a outra. Numa conta simples, se o déficit no ano foi de R$ 170,5 bilhões num país onde há 90,639 milhões empregados, assumindo a bomba, cada um arcará com um singelo custo de R$ 1.881,08 (ou, R$ 156,75 mensais). Tudo isso sem incluir o déficit de 2015 ou de 2014.
O prejuízo gerado em um único ano pode ser quantificado. São 6 vezes o orçamento do programa Bolsa Família, 1 ano de salários do funcionalismo público, 8 anos de orçamento das universidades públicas federais, 2 vezes o valor gasto em educação. Nada disso, no entanto, leva em consideração o problema central: não vivemos em um mundo isolado onde as contas de um ano ficam naquele ano. Somando tudo até aqui, o resultado é um só: R$ 4 trilhões em dívidas.

Como chegamos a este valor?
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Nos três anos de crise que temos até aqui, a dívida bruta do governo saiu de 53% para prováveis 72% do PIB ao final do ano (e isso numa projeção otimista). Em outras palavras, um crescimento de R$ 1,3 trilhões em dívida,apenas nos últimos 3 anos. O resultado pode ainda parecer pequeno quando comparado ao de países ricos (que devem muitas vezes 100% de seu PIB), mas substancial quando acrescentamos outro ingrediente à receita: os juros. Enquanto os EUA, por exemplo, financia sua dívida com juros de 1,5% ao ano, por aqui eles chegam a 14,25% ao ano.
Deste total, o peso dos déficits primários, como o anunciado ontem, não parecem tão relevantes (R$ 32,53 bilhões em 2014, R$ 119 bilhões em 2015 e R$ 170,5 bilhões em 2015). Leia-se: menos de 1/5 do aumento total da dívida. E a razão para isso é simples. O tal déficit primário é apenas parte da história.
Por “primário”, entendemos receita – despesa sem incluir receita ou despesa financeira. Em outras palavras, tudo que o governo arrecada menos o que ele gasta, sem considerar ganhos financeiros ou os juros da dívida. Quando incluímos o custo da dívida, chegamos ao chamado resultado ‘nominal’, e é aí que a brincadeira fica mais séria. Apenas nos últimos 12 meses, nosso resultado nominal, que inclui os juros, ficou negativo em R$ 579,3 bilhões (uma bomba de R$ 6.391,00 para cada brasileiro empregado).
O fato de usarmos o resultado primário mais rotineiramente possui uma razão. Ao economizarmos recursos para abater os juros ou a dívida, contando com o crescimento do país, conseguimos estabilizar ou mesmo fazer a relação “dívida/PIB” cair, fazendo com que ela se torne um peso menor.
Empresas e governos necessitam de dívida. Seja para realizar investimentos ou fazer política monetária. É praticamente impossível que exista hoje uma grande empresa ou um governo sem dívida. Neste cenário, garantir que ela esteja sob controle é fundamental.
E é exatamente esta a importância de se poupar dinheiro e não registrarmos déficits como os deste ano. Ao gastarmos menos, temos menos necessidade de pedir empréstimos e assim, acabamos conseguindo pagar juros menores. Sem este controle, nossa dívida explode, dificultando a oferta de serviços públicos ou mesmo reduzindo o dinheiro que você tem no bolso.

E como isso afeta minha vida?

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Falar em termos “macros” muitas vezes significa apenas dizer palavras complicadas, e nada mais do que isso. Superávit, déficit, nominal, primário, CPMF, política fiscal ou monetária. Nada disso possui a menor relevância se não houver como explicar o que importa, o objetivo final da economia: o impacto disso no seu bem-estar. Sem isso, este economês é só isso, um jogo de palavras.
Os resultados de um governo que gasta demais são mais simples de entender do que você pode imaginar. Basta pensar na quantidade de recursos como um pote gigante cheio de dinheiro. Famílias, empresas e governo recorrem a ele sempre quando precisam de dinheiro emprestado, e quando possível, colocam nele os juros ou parte do que pegaram antes. Cada vez que o governo demanda mais recursos, a quantidade de dinheiro no pote diminui mais rápido, e aqueles que detém este dinheiro (fundos de pensão, fundos de investimento, seguradoras, bancos, etc) têm de escolher quem pode ou não pegar este dinheiro. Na medida em que demanda mais empréstimos, o governo contribui para elevar os juros na economia – ou seja, fica mais caro investir ou comprar a prazo. É o seu carnê na loja que se dará mal no final.
O mais óbvio dos resultado, no entanto, é o impacto de um novo imposto, que via de regra é mais transparente e direto. Você sabe quando eles aumentam e percebe no aumento de preços. Em 2015, dez estados, além do Distrito Federal, elevaram impostos, na maioria dos casos, sobre combustíveis ou energia.

Como o governo pretende pagar essa dívida?

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Pagar a dívida, ou ao menos torná-la administrável, não é uma tarefa fácil. Muito mais do que uma equipe econômica bem alinhada e que saiba a necessidade real de um ajuste, cortar gastos ou elevar receitas é algo que ainda depende do Congresso.
Não é de se estranhar, portanto, que a bolsa e o dólar não tenham reagido tão bem à primeira semana do governo Temer. Além de descobrirmos que a situação do país era pior que a imaginada, sem o Congresso é impossível aprovar qualquer ajuste fiscal.
Para controlar a dívida, porém, novos impostos, ou velhos como a CPMF, além das privatizações, são apenas uma pequena parte do caminho. Sem um crescimento da economia é impossível imaginar qualquer melhora neste quadro.
A exemplo do que fez Dilma, Temer deve continuar mantendo reajustes ao funcionalismo público abaixo da inflação. Possivelmente, como fez Dilma no último Dia do Trabalhador, quando anunciou seu “pacote de bondades” (nome dado por ela e assessores), também reajustará a tabela de imposto de renda abaixo da inflação, elevando ainda mais o peso dos impostos sobre os mais pobres.
Vender patrimônio teria um impacto relativamente baixo neste déficit. Se nós somarmos o valor de todas as mais de uma centena de empresas públicas, elas valem o equivalente ao déficit de 2015 e 2016 somados. A venda, porém, seria uma alternativa para atrair investimentos que geram emprego e renda.

Um calote da dívida é algo possível?

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Com nove calotes entre 1898 e 1990, o Brasil é um país acostumado a encarar o governo com incertezas. Desta vez, após um período de estabilidade, ao contrário do que possa parecer, não é absurdo assumir que podemos voltar a cometer equívocos tão presentes no nosso passado. Com um Congresso que pressiona o governo contra ajustes e há quase duas décadas se nega a votar as reformas tributária e previdenciária, esperar que um ajuste fiscal como o proposto seja bem recebido – e votado com a agilidade que a recessão da economia brasileira demanda – é algo no mínimo improvável.
Diante deste cenário, com uma alta que pode chegar a 80% do PIB em 2018, um calote faz parte da série de especulações sobre como o governo lidará com a questão da dívida.
Por se tratar de moeda nacional, no entanto, esses riscos são menores. A exemplo do que inúmeros países já fizeram, como o próprio Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro pode ver na inflação um meio de diminuir a dívida e o seu custo.
A forma como isto seria feito é um pouco complexa, mas basta lembrar que em períodos de inflação, aquele que detém acesso aos bancos para se proteger (seja com investimentos ou poupança) acabam sendo beneficiados. Num país com 55 milhões de brasileiros sem uma mísera conta em banco, não é difícil imaginar quem pagará essa fatura.
Reduzir o peso da dívida por meio da inflação significa tirar parte do poder de compra de cada pessoa. Na prática, a população empobrece sem nem saber que está pagando imposto – no caso, o chamado “imposto inflacionário”. Outro efeito disto seria um aumento da desigualdade – que cresce sempre junto da inflação, exatamente por que alguns se protegem mais do que outros.
De certeza em toda essa história, apenas o fato de que o ajuste será feito como sempre foi: em cima daqueles que sustentam o governo, e não do próprio governo. E sem ele, nossa dívida continuará aumentando ainda mais. Até explodir. E no seu colo.













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