Rogério Furquim Werneck: O Globo
Para sair de um atoleiro, é preciso calma, engenho e arte. Improvisar e
tentar sair na marra costuma ser receita certa para afundar ainda mais
na lama. Dilma Rousseff que o diga.
Conseguirá Michel Temer tirar a economia brasileira do enorme atoleiro
em que Dilma a deixou? Tomara que sim. Mas é bom não ter ilusões sobre
as proporções do desafio que tem pela frente, a exiguidade do tempo com
que efetivamente conta, a precariedade dos recursos políticos a que terá
de recorrer e as problemáticas fragilidades inerentes a seu governo.
Em meio a todas essas dificuldades, é animador constatar que o novo
governo parece ter percebido, com muita clareza, que o âmago do
gigantesco desafio que terá de enfrentar é a penosa reconstrução das
finanças públicas. E ainda mais animador saber que o núcleo da nova
equipe econômica, em Brasília, contará com profissionais tão
qualificados como Ilan Goldfajn, Mansueto Almeida, Marcelo Caetano e
Marcos Mendes.
Tendo em vista a devastação do quadro fiscal, ninguém espera, em sã
consciência, que o reparo possa ser feito num par de anos. O que, sim,
talvez se possa esperar é que o governo seja capaz de promover um choque
de confiança decisivo, que desencadeie um círculo virtuoso que, aos
poucos, na esteira de melhora persistente das contas públicas, permita
vislumbrar a restauração da sustentabilidade fiscal em prazo um pouco
mais longo.
Trata-se de viabilizar uma sequência de medidas que possam dar sinais
críveis de que a deterioração das contas públicas pode ser revertida. E
de que o novo presidente está efetivamente empenhado na mudança do
regime fiscal. O ideal seria que o governo pudesse anunciar essa
sequência de medidas tão logo quanto possível, mesmo tendo em conta que
muitas delas não poderão ser implementadas de imediato. Um plano de jogo
claramente explicitado, que eliminasse temores de surpresas e
improvisações, seria um grande avanço.
É inevitável que boa parte dessas medidas requeira a aprovação de
emendas constitucionais, que podem colocar à prova o apoio do novo
governo no Congresso e exigir mais tempo do que Temer efetivamente tem.
Caso Dilma seja afastada de vez, como parece provável, Temer terá pouco
mais de 31 meses de mandato. E, de agora até outubro, terá de lidar com
um calendário atribulado, fadado a lhe dificultar as negociações com o
Congresso, exatamente quando elas deveriam ser mais intensas:
interinidade até pelo menos setembro, quando o Senado deverá se
pronunciar sobre o impeachment, paralisação parcial do país com as
Olimpíadas e mobilização dos parlamentares com as eleições municipais, a
partir de agosto. O ano de 2017 poderá ser menos conturbado. Mas, já em
meados do ano seguinte, o Congresso estará totalmente mobilizado com as
eleições de 2018.
Temer pode ficar tentado a se animar com a lembrança de que Itamar
Franco contava, de início, com um mandato ainda mais curto, de 27 meses.
E de que ainda se deu ao luxo de dilapidar os primeiros sete,
permitindo-se nomear nada menos que quatro ministros da Fazenda entre
outubro de 1992 e maio de 1993. Foi nos 20 meses restantes que o Plano
Real pôde ser concebido e implementado com grande sucesso. Mas é preciso
ter em conta que as dificuldades de viabilização do Plano Real foram de
natureza distinta. Não envolveram um esforço de reconstrução fiscal tão
problemático como o que Temer agora tem pela frente.
Tampouco teve o governo Itamar de lidar com fatores de risco tão sérios
como os que agora terão de ser enfrentados. Temer terá de governar sob o
espectro da perda de mandato por decisão do Tribunal Superior
Eleitoral. E terá de conviver com a probabilidade, nada desprezível, de
que os desdobramentos da Lava-Jato e de operações similares acabem
afetando as possibilidades da condução da política econômica, seja pelos
efeitos diretos que poderão ter sobre o governo, seja pelos abalos que
poderão provocar na bancada governista no Congresso.
Fácil não será. Mas não há dúvida de que o quadro se tornou bem mais promissor.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
extraídaderota2014blogspot
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