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09:57
ANDRADEJRJOR
Façamos justiça. A presidente Dilma tem feito enorme esforço para se tornar
mais exótica
RUTH DE AQUINO EPOCA
Os brasileiros reclamam quando estrangeiros chamam nosso país de
“exótico”. Natural. Há uma tendência de defender o que é nosso do olhar
gringo. Só nós podemos meter o pau. Mas, quando colocamos o pé fora do
Brasil, percebemos que somos mesmo para lá de exóticos. Longe,
conseguimos até rir de nossa República da Mandioca. Melhor mandioca que
banana.
Façamos justiça. A presidente Dilma tem feito enorme esforço para se
tornar mais exótica. Seus últimos discursos podem tirar emprego de muito
humorista. O mais recente, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, é
intraduzível em qualquer idioma. “Nós estamos comungando a mandioca com o
milho. E, certamente, nós teremos uma série de outros produtos que
foram essenciais para o desenvolvimento de toda a civilização humana ao
longo dos séculos. Então, aqui, hoje, eu estou saudando a mandioca. Acho
uma das maiores conquistas do Brasil.”
Depois da mandioca, foi a vez de saudar a bola e a mulher. “Essa bola
vem de longe, da Nova Zelândia. E é uma bola que eu acho que é um
exemplo, ela é extremamente leve. Eu já testei e ela quica. Eu testei,
eu fiz assim uma embaixadinha, minto, uma meia embaixadinha. (…) Então, o
esporte tem essa condição, essa bênção. Ele é um fim em si. (…) Então,
para mim essa bola é um símbolo da nossa evolução. Quando nós criamos
uma bola dessas, nós nos transformamos em Homo sapiens ou mulheres sapiens.”
Sei que o discurso “indignou” muitos e serviu para que a presidente
fosse ridicularizada. Mas eu até simpatizei e morri de rir. Gente, é
esse o Brasil, o Brasil da mandioca, das rolas e dos sertanejos, era um
discurso para índios em Brasília. O Brasil que se diz laico e vê um
bando de marmanjos deputados erguer os braços na Câmara em transes
pentecostais.
É exótico ver a Dilma rodando de bicicleta em Brasília, enquanto a
crise pega todo mundo, miserável, pobre, rico e a classe média
gigantesca, traída e amorfa. Dilma tenta tudo de marketing pessoal, além
da dieta milagrosa que a deixou elegante e lépida, para fazer o país
esquecer sua aliança com os pastores evangélicos. A banda mais
reacionária, conservadora ao extremo, que recebeu dela isenções para
igrejas. É o dízimo gordo do Planalto, o cala-veto.
Se Dilma criou, num discurso jocoso, a espécie “mulheres” sapiens,
Eduardo Cunha, Silas Malafaia e seguidores tentam criar o “hétero”
sapiens como a única espécie saudável e legítima para formar uma
família. Isso não é só exótico, é perigoso. A ex-guerrilheira feminista
estende o tapete vermelho para o neo-PMDB pentecostal, que não respeita o
direito da mulher a seu corpo e ao aborto em qualquer circunstância, e
que defende mudanças no Estatuto do Desarmamento para armar a população.
No meio da crise, aprova a construção do bilionário ParlaShopping, para
abrigar com pompa a Câmara e sua maioria de... como disse o ex-Lula...
“picaretas”?
Dilma reza para todos os deuses, mas não cala seu diabinho criador,
Lula, o opositor transgênero. Lula afirma que o PT de Dilma acabou com
os sonhos e utopias, traiu trabalhadores e aposentados e “só pensa em
cargos”. O que é isso, ex-companheiro, além de jogo de cena? Um dia após
o outro, para padres ou laicos, Lula aperta a garganta de Dilma, a
acusa de ter mentido na campanha e tenta se desvincular dela e do PT
para salvar sua pele e o lulismo. Como se ele nada tivesse a ver com o
que está aí. Como traduzir para um estrangeiro?
É o exótico patropi, uma casa brasileira com certeza. Onde um dos mais
conceituados e mais populares jornalistas multimídia do Brasil, Ricardo
Boechat, manda o pastor Malafaia “procurar uma rola”, em vídeo postado
em rede social. Boechat chamou o pastor de “paspalhão e otário” e
“tomador de grana de fiel”. O pastor tinha acusado Boechat de “idiota” e
de “falar asneira” por comentar que igrejas neopentecostais incitam a
intolerância religiosa e criam o ambiente para ataques como as pedradas
em uma menina de 11 anos, praticante do candomblé. Dá para imaginar a
situação, com personagens semelhantes, em outro país?
A rola provocou uma histeria nas redes sociais, com torcidas pró e
contra. Uma histeria só comparável, em temperatura, à que se seguiu à
morte trágica, em acidente de carro, do cantor Cristiano Araújo, o
“sertanejo universitário” adorado por multidões, mas desconhecido por
quem não gosta de música sertaneja. Um rolo compressor de mídia
lacrimosa irritou quem nunca havia ouvido Cristiano cantar. Os fãs se
irritaram com a “elite” que não curte música sertaneja, como se fosse
uma traição à brasilidade. E, para culminar, Fátima Bernardes se
confundiu e lamentou ao vivo a morte de “Cristiano Ronaldo”. O Brasil é
muito exótico. Xô, ódio. Só o humor nos salva. Amém.
RECEBIVIAEMAIL
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