editorial do Estadão
A clara disposição de Luiz Inácio Lula da Silva de se descolar de sua
própria criatura aparentemente está sendo interpretada como um sinal de
liberação geral da campanha de isolamento político de Dilma Rousseff e
do consequente confinamento do governo aos estreitos limites de sua
incompetência para lidar com a crise em que ele próprio mergulhou o
País. A se confirmar essa tendência bem expressa no clima de salve-se
quem puder em que a chamada classe política se debate, os desdobramentos
da crise no plano político – no econômico é outra história – são
imprevisíveis, uma vez que Dilma tem ainda três anos e meio de mandato
pela frente, o que torna praticamente impossível empurrar a crise com a
barriga até que nova eleição presidencial acomode a situação.
A conjugação de duas iniciativas cujos primeiros movimentos já se
tornaram visíveis anuncia o quadro sombrio que se desenha para o
Planalto. De um lado, forças de esquerda reunidas numa aliança de
pequenos partidos ideológicos com a ala autoproclamada “progressista” do
PT articulam a formação de uma “frente ampla” de combate ao ajuste
fiscal e à política econômica “liberal” personificada na figura do
ministro Joaquim Levy. De outro lado, dentro do PMDB ganha corpo a
disposição de devolver a Dilma Rousseff a coordenação política por ela
delegada, em desespero de causa, ao vice-presidente da República, Michel
Temer, o que implicaria, pelo menos tacitamente, o rompimento da
combalida aliança dos peemedebistas com o governo petista.
De acordo com o jornal Valor, a oportunidade – na verdade, o pretexto –
para que Michel Temer devolva a articulação política ao Planalto seria o
fim da votação do ajuste fiscal no Congresso, que deverá ocorrer
provavelmente em agosto. Com isso, estaria cumprida a missão confiada
por Dilma ao vice-presidente da República. A essa intenção dos caciques
peemedebistas – estimulada tanto pelo fato de Lula estar procurando se
descolar de Dilma quanto pela crescente deterioração da credibilidade e
da popularidade da presidente – não estaria alheio Michel Temer, um
político geralmente cauteloso, cuja preocupação maior seria a de
calibrar o avanço na direção do descolamento de Dilma para não
comprometer gravemente o projeto de ajuste fiscal do qual o PMDB se
tornou avalista. De resto, muitos peemedebistas – que consideram
pacífica a opção de lançar candidato próprio no pleito presidencial de
2018 – entendem que o PMDB deve se apresentar já para as eleições
municipais do próximo ano livre da conotação eleitoralmente negativa de
uma aliança com Dilma e o PT.
De qualquer forma, a articulação da tal “frente ampla” contra a política
econômica “liberal” avança a cada dia, tendo à frente, entre outros
líderes das correntes de esquerda do PT, o fundador do partido,
ex-ministro de Lula e ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro,
que seria um dos responsáveis pela redação do manifesto do grupo, a ser
divulgado no início de julho. Especula-se que por detrás desse movimento
estaria o próprio Lula, embora essa possibilidade seja desmentida pelos
articuladores. Afinal, não é despropositado imaginar que o
ex-presidente se anime com a possibilidade de contar com o apoio de algo
parecido com uma aliança de forças “progressistas” para embalar sua
candidatura à Presidência em 2018 empunhando a bandeira do combate ao
“liberalismo”. Isso se até lá Dilma e sua incompetência política e
administrativa já não tiverem desmoralizado definitivamente o
“progressismo” esquerdista aos olhos de um eleitorado que, na verdade,
almeja condições dignas de vida representadas pela garantia de acesso a
bens sociais e de consumo num ambiente de plena liberdade.
Esses dois movimentos – o do PMDB e o dos “progressistas” –, produtos de
uma mesma circunstância, mas sem nenhuma relação um com o outro,
significariam o cerco do Palácio do Planalto pela direita e pela
esquerda, deixando pouco espaço para a ineficiente oposição partidária,
representada pelo PSDB.
O risco desse tipo de jogo partidário é o de seus principais personagens
se entredevorarem, deixando sozinho na cena algum ousado aventureiro.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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