Thiago Bronzatto - Epoca
Em agosto de 2011, o empresário Abilio Diniz, então presidente do Conselho de Administração do Pão de Açúcar, estava tenso. Sua empresa fora notificada pelo Ministério Público Federal no Distrito Federal a dar explicações numa investigação criminal. Abilio sabia quem deveria chamar: o multiestrelado advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, o MTB, ministro da Justiça no governo Lula, que morreu no ano passado. Naqueles tempos, MTB era a escolha óbvia para qualquer um com muita encrenca nas costas e muito dinheiro no bolso. Mas, naquele caso, Abilio não precisava dos serviços de MTB. Precisava combinar com ele o que dizer aos procuradores que o haviam notificado. MTB, afinal, também fora intimado a prestar esclarecimentos. O escritório dele havia ajudado o Pão de Açúcar de Abilio a pagar milhões de reais ao petista Antonio Palocci, durante as eleições de 2010. Os procuradores queriam saber por quê.Abilio convocou MTB para uma reunião na sede do Pão de Açúcar, em São Paulo. Eles deveriam encontrar uma explicação que convencesse os procuradores da normalidade dos R$ 5,5 milhões pagos pelo grupo varejista, entre 2009 e 2010, para a Projeto Consultoria, de Palocci, por intermédio do escritório de MTB. Se Palocci tivesse trabalhado para merecer tamanho pagamento, seria fácil. Mas, conforme ÉPOCA revelou em abril, as evidências apontam para uma simulação dos serviços. Em outras palavras, não se sabe por que o então deputado federal Palocci, quando coordenava a primeira campanha presidencial de Dilma Rousseff, recebeu uma bolada do Pão de Açúcar – nem qual foi o destino final do dinheiro.
A reunião de Abilio com MTB foi registrada numa ata manuscrita, com data de 24 de agosto de 2011. “Nós vamos fazer tudo junto”, disse Abilio a MTB sobre as explicações que seriam enviadas ao MPF, segundo o documento. Essa folha e outras anotações – assim como notas fiscais, rascunhos de contratos, e-mails, tabelas, entre outros documentos internos do Pão de Açúcar de 2010 e 2011 – foram obtidas pela reportagem de ÉPOCA. A papelada, somada a depoimentos de ex-funcionários e ex-assessores da companhia, mostra os bastidores da construção de uma versão para justificar os pagamentos a Palocci. Essa é uma das frentes da investigação sigilosa do MPF. Após ÉPOCA trazer à tona documentos desse processo, a companhia decidiu instaurar um comitê de auditoria para apurar os pagamentos feitos a Palocci. Exatamente dois meses depois, na última sexta-feira, o Pão de Açúcar não tinha encontrado nenhuma evidência de que Palocci, de fato, tenha prestado qualquer serviço para o grupo. A investigação pode continuar, mas a empresa pretende divulgar logo essa informação ao mercado.
Na mesma página onde está registrada a disposição de Abilio em atuar em sintonia com o ex-ministro da Justiça, há o registro de um MTB atemorizado, que atendera prontamente à convocação de Abilio. Entrara no prédio discretamente, pela entrada exclusiva da Alameda Lorena, na região dos Jardins, para a reunião ocorrida na sala da diretoria, no 3º andar. Ao lado da anotação “Ponto de preocupação de MTB comentado c/AB (Abilio Diniz) na reunião de 2ª feira”, está escrito: “Antecipação de pagtos”. (imagens acima)
De fato, pela análise da papelada, há um fluxo financeiro que se antecipa a eventual prestação de serviços por MTB e Palocci. O primeiro pagamento desembolsado pelo Pão de Açúcar à dupla de ex-ministros, no valor de R$ 500 mil, ocorreu no dia 8 de dezembro de 2009, quatro dias depois do anúncio da megafusão da companhia com as Casas Bahia. Naquela ocasião, segundo indicam rascunhos de contratos e cartas da diretoria executiva da companhia entre 2010 e 2011, MTB foi, para todos os efeitos, contratado para dar assessoria jurídica na operação de fusão e aquisição e representar o Pão de Açúcar perante os órgãos de defesa da concorrência. O valor total do serviço era de R$ 11 milhões. Debaixo desse guarda-chuva contratual, MTB, então, fez um acordo informal com a consultoria de Palocci para que, ao menos no papel, o petista elaborasse estudos sobre o setor – e ajudasse nas negociações da transação fechada entre os acionistas das Casas Bahia e do Pão de Açúcar.
Segundo os documentos obtidos pela reportagem, para ajudar a construir uma narrativa que contemplasse os questionamentos do MPF, o então diretor jurídico Ednus Ascari Júnior recorreu até ao conselho do advogado Sérgio Renault, ex-integrante da Casa Civil no governo Lula e conhecido por sua carteira de clientes petistas, como a ex-ministra Erenice Guerra e o mensaleiro Delúbio Soares. Em mensagens enviadas de seu e-mail pessoal no dia 4 de agosto de 2011, com o assunto “Cláusula sobre contrato de consultoria”, Ascari Júnior pedia orientação para redigir as explicações aos procuradores. Um dia após receber as dicas de texto de Renault, o executivo assinou uma declaração enviada ao MPF em que atesta que o Pão de Açúcar tinha conhecimento da contratação da empresa de Palocci pelo escritório de MTB. Antes disso, vários rascunhos foram feitos, ora dando conta de que a contratação de Palocci era um mistério para a empresa, ora afirmando que a própria direção na ocasião o havia indicado ao escritório de MTB.
Abilio, que sempre foi muito próximo de Palocci e costumava visitar seu escritório em São Paulo, deixou o Pão de Açúcar em setembro de 2013 – e passou o controle ao grupo francês Casino. Procurado, o Pão de Açúcar diz que a atual administração assumiu suas funções após o período dos fatos relatados na reportagem e vem disponibilizando todos os recursos para que o Comitê de Auditoria realize essa avaliação para poder se pronunciar oportunamente. A Projeto, de Palocci, diz que foi contratada pelo escritório de advocacia Márcio Thomas Bastos para, em conjunto, prestar serviços de assessoria às negociações para a fusão entre o Pão de Açúcar e as Casas Bahia. O MPF não quis comentar, porque o caso está sob sigilo. Abilio Diniz, que hoje preside o Conselho de Administração da empresa de alimentos BR Foods, preferiu não comentar. Enéas Pestanas, ex-presidente do Pão de Açúcar, e Ednus Ascari Júnior, ex-diretor jurídico da companhia, não quiseram se pronunciar.
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