Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 25 de junho de 2015

"Uma tragédia grega",

por Demétrio Magnoli Folha de São Paulo

Na Grécia, a idade média de aposentadoria era de 60 anos. O país tem 2,65 milhões de aposentados, um quarto de sua população. O custo das pensões, 17,5% do PIB, é o mais alto da União Europeia. Até há pouco, o sistema abrangia mais de 130 diferentes fundos de pensão. Uma investigação de 2012 identificou fraudes em cerca de 440 mil pensões. A legislação listava 580 profissões de alto risco que propiciavam aposentadorias precoces, inclusive locutores de rádio (micróbios nos microfones!), cabeleireiros (produtos químicos!), músicos de instrumentos de sopro (refluxo gástrico!). O colapso financeiro do país deve-se, em larga medida, ao peso insustentável desse sistema, conservado por maiorias parlamentares de centro-direita e centro-esquerda. O PSDB deveria olhar para a Grécia antes de ajudar a destruir o fator previdenciário criado por FHC.
A fórmula 85/95 aprovada pelo Congresso propicia oportunidades de aposentadoria aos 56 anos, para homens, e 51, para mulheres. Não há nada politicamente mais tentador do que sacrificar o futuro no altar do presente. O caos nas contas previdenciárias só se tornará incontornável no horizonte de uma década –isto é, mais de dois ciclos eleitorais. "Depois de mim, o dilúvio": de olhos fixados em 2018, os "amigos do povo", em todos os partidos, assumem o leme de uma nau à deriva. Em nome de sua própria história, os tucanos têm o dever de recusar a aliança profana com Calheiros, Cunha, Lula e os burocratas sindicais corporativistas que pregam a derrubada do veto presidencial.
À luz de velas, as centrais sindicais promoveram uma vigília em defesa da fórmula 85/95. Confrontados com a aritmética, arautos da aposentadoria precoce apelam, classicamente, ao ouro dos tolos: o financiamento das pensões pela taxação dos bancos. Eles sabem que o imposto providencial seria automaticamente socializado, pelas vias das tarifas e dos juros. Mas precisam camuflar o significado econômico da derrubada do fator previdenciário: a transferência indireta de renda dos jovens para "idosos" que ainda não apagaram 60 velinhas. Na pira ardente de suas carreiras políticas, os "amigos do povo" imolam salários e empregos dos filhos dos pobres. Isso é o que o PSDB teria a obrigação de denunciar.
A propaganda eletrônica dos tucanos distingue, acertadamente, a "oposição ao governo" da "oposição ao país". Contudo, um PSDB sem bússola parece ignorar que a linha divisória aplica-se com perfeição aos casos do ajuste fiscal e das regras de aposentadoria.
No primeiro, o voto contra as medidas provisórias é um chamado à clareza política: "Quem pariu Mateus que o embale". O ônus do desastre econômico de Dilma 1 deve ser assumido pelo PT e pela coalizão governista, não por seus críticos, rotulados como "inimigos do povo" quando tinham razão. No segundo, o voto na fórmula 85/95 é uma aposta oportunista na confusão ideológica –e, ainda, um gesto de revolta contra a estabilização econômica inaugurada pelo Plano Real.
FHC enfrentou a ira santa do PT ao traçar a fronteira do fator previdenciário. No governo, por 12 anos, o lulopetismo acomodou-se à "herança maldita", enrolando mais uma bandeira encardida dos tempos de bazófia. Por que o PSDB prepara-se para fazer "oposição ao país" bem na hora em que Dilma veta a decisão do Congresso, rendendo-se à herança tucana?
O futuro chega, eventualmente. Na Grécia, desde 2010, elevou-se a idade legal de aposentadoria para 67 anos, enquanto o valor das pensões foi cortado em 15%, para as inferiores, e em até 44%, para as superiores. Como resultado, 45% dos pensionistas sobrevivem com renda mensal inferior a 665 euros, o limite nacional de pobreza. Não adianta pintar um sórdido bigodinho nazista nas fotografias de Angela Merkel: a elite política grega é a responsável pela tragédia. Olhem para Atenas, tucanos!
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT

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