por Luiz Felipe Pondé Folha de São Paulo
Sapiens somos nós, Homo sapiens. Há cerca de 70 mil anos surgimos como
somos hoje. Você seria igualzinho há 70 mil anos, correndo pela savana
africana. Sem iPhone na mão, fugindo de predadores.
Há algum tempo venho estudando pré-história e estou convencido de que as
escolas deveriam dar mais aulas de pré-história e menos de Revolução
Francesa.
No mínimo, serviria como antídoto aos delírios dos "professores de humanas" por aí.
Deveríamos reverenciar esses nossos patriarcas, começando por
conhecê-los mais e ensinar mais sobre eles para nossas crianças. Menos
fru-fru e mais contos de caçadoras coletoras criando bebês.
Quando pensamos "na" pré-história, aprendemos a não considerar "nosso
tempo" como o centro da história. Hoje quero indicar um livro para você.
"Sapiens", do historiador israelense Yuval Noah Harari, professor de
macro história da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Macro história é uma disciplina que foi um pouco estragada por gente
como Hegel e Marx (ambos metafísicos), pois eles pensavam que haviam
decifrado a história. Hoje, fazer macro história é se perguntar coisas
como "a história é justa?".
Ou "o aumento de técnica aumentou a sensação de felicidade?". Ou "a democracia melhorou o cotidiano das pessoas?".
Essas questões são respondidas a partir da observação de muitas
disciplinas juntas, como biologia, arqueologia, antropologia, economia,
psicologia, moral, entre outras. Para saber como, leia o livro.
Não há respostas definitivas, mas tentativas de elucidar grandes
questões da nossa história. Questões essas que são essenciais para
entendermos a "alma" do sapiens que somos nós.
O livro de Harari é uma pérola, apesar de a edição brasileira, da
L&PM, deixar um pouco a desejar em termos de cuidado (alguns poucos
erros de digitação e de tradução). Cumpre, porém, a missão de trazer ao
público brasileiro este best-seller escrito por um "scholar" de primeiro
time. Israel é um dos países com maior capacidade intelectual e
científica instalada.
O livro percorre os 70 mil anos de existência do sapiens (política,
moral, religião, economia, técnica, ciência) e investiga possíveis
desenvolvimentos futuros a partir do que andamos fazendo em termos de
tecnologia genética e cibernética.
Duas hipóteses do autor, além de muitas outras coisas, valem a pena
serem citadas aqui. Ambas fruto da chamada revolução cognitiva pela qual
nossos ancestrais passaram, que resultaram nisso que somos hoje: esse
bicho com cérebro grande que pensa, fala, imagina e cria conceitos e
técnica.
A primeira hipótese é o fato de vivermos num mundo imaginário que
levamos muito a sério. Esse mundo imaginário cria deuses, valores
morais, religiões, Estados, governos, mercados, Facebook.
Atenção! Dizer que é um mundo imaginário não quer dizer "falso". Quer
dizer que só nós o "vemos" e agimos a partir dele. Deuses, espíritos, o
socialismo, o liberalismo (e sua crença na autonomia como motor de
riqueza), tudo isso faz parte desse mundo imaginário que se concretiza
na medida em que nós, sapiens, o materializamos no mundo real. E nós
todos somos obrigados a engoli-lo garganta abaixo, via leis, normas,
arte, crenças
religiosas, conceitos filosóficos e afins. O mundo imaginário é tão "real" que mata.
Mas, qual a importância de sabermos que vivemos num mundo imaginário?
Este saber nos ajuda a lidar com a segunda grande hipótese do autor.
A revolução cognitiva há 70 mil anos nos "separou" da natureza e nos
transformou num animal que tem muito poder nas mãos, mas não sabe nada
de si mesmo (nem saberá, porque somos, na escala cósmica, a mesma coisa
que uma formiga, sem nenhum sentido maior para nada). Não "há nada" para
saber sobre nós.
Somos como um cometa, cruzando o universo, em alta velocidade, indo para
lugar nenhum, mas criando um mundo imaginário que dá sentido a esse
processo.
Caminhamos entre seres mudos que nos contemplam e que repousam no
silêncio da matéria. E um dia, restará apenas essa matéria, da qual
somos um acidente. Um acidente que imagina mundos a sua volta.
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