por Carlos Alberto Sardenberg O Globo
O ex-presidente vê, como todo mundo, que o melhor lugar neste momento é na oposição — de preferência numa oposição popular
Ada Colau é a prefeita de Barcelona e certamente era nela que Lula
estava pensando quando disse que o PT precisa de pessoas mais novas,
audaciosas e com utopias. Ada vem de um movimento social, uma associação
que se tornou conhecida por combater o despejo de moradores que não
conseguiam pagar a prestação da casa própria. Foi detida algumas vezes
por protestos de rua e se elegeu ao lado do Podemos, agremiação de
esquerda que foi bem nas recentes eleições municipais. A plataforma:
contra o ajuste fiscal do neoliberalismo, a mesma que conduziu ao
governo grego o também militante Alexis Tsipras, do partido Syriza, uma
coligação de esquerda radical.
No discurso da última segunda, Lula se referiu especialmente ao Podemos.
Talvez porque Tsipras esteja neste momento enfrentando um dilema
radical: ou faz um acordo com os credores (FMI, União Europeia e Banco
Central Europeu) e, nesse caso, aceita um programa de ajuste fiscal, ou
não faz o acordo, cumprindo a promessa eleitoral de romper com os
credores, e quebra a Grécia e os gregos.
O espanhol Podemos, portanto, está na fase, digamos, romântica. Ganhou
algumas eleições municipais, mas não a nacional. Tem força, é
protagonista, mas não assumiu responsabilidade sobre a política
econômica. Pode continuar, pois, a atacar os credores e o ajuste
aplicado na Espanha, Portugal e Grécia.
O PT está longe da fase romântica dos movimentos de rua. O pessoal
agora, segundo o próprio Lula, só quer saber de empregos e cargos. Ao
contrário de Ada Colau, arrastada por policiais em diversos protestos,
os petistas, ainda segundo o chefe, só saem dos gabinetes se o chefe
liberar a folga. E ainda assim não engrossam mais as manifestações.
Para piorar as coisas, o governo Dilma, governo do PT, pelo menos por
enquanto, criado e inspirado por Lula, está justamente aplicando um
ajuste fiscal do tipo daqueles que Podemos e Syriza combatem. Ou seja,
se Lula está certo, o governo do PT é formado por pelegos e oportunistas
que, ainda por cima, aplicam um programa econômico dito neoliberal,
que, de fato, impõe sacrifícios às famílias e severas restrições à
atividade econômica.
Dá para complicar ainda mais. Lula não pode colocar a culpa na direita,
nos neoliberais, nos credores internacionais, na banca global. O Brasil
está como está por causa da chamada “nova matriz econômica”, introduzida
no segundo mandato de Lula e reforçada no primeiro governo Dilma. A
política de ajuste fiscal é o remédio necessário — o único que sobrou.
Eis porque as manifestações recentes de Lula deixam todos estupefatos,
amigos e adversários. O ex-presidente vê, como todo mundo, que o melhor
lugar neste momento é na oposição — de preferência numa oposição
popular. Mas, para chegar lá, Lula tem que ser oposição ao seu próprio
governo e ao seu próprio partido. O seu governo e seu partido têm que se
defender do seu maior líder.
Não pode dar certo.
Por outro lado, reparem no seguinte: Dilma está no seu pior momento, com
rejeição de 65% conforme o último Datafolha. O PT despenca, está abaixo
do volume morto, segundo a boa imagem do ex-presidente. Mas ele, Lula,
ainda salva 25% das preferências dos eleitores em qualquer cenário para
2018. De novo: a economia no chão, desemprego em alta, PT esculhambado e
afundando na Lava-Jato, o próprio Lula citado como parceiro de
empreiteiras cujos dirigentes estão presos, e ele faz 25%!
É tentador, não é mesmo? Desembarcar do governo, do PT, das alianças espúrias, inclusive com o PMDB, e formar um Lula-Podemos.
Lula tem jeito para convencer os outros. Precisará muito disso para
convencer os demais eleitores que ele não tem nada com a política
econômica, nem com a Lava-Jato, nem com os velhos companheiros, os
presos e os soltos.
Tem mais: quando um partido ou uma pessoa desembarca do governo, é
normal que devolva os cargos que tinha naquela administração. E como é
que Lula devolve a presidente Dilma? Para quem?
Enquanto isso, melhor dar uma olhada no que acontece na Grécia. O
momento não é nada bom para o jovem Tsipras. Com os cofres vazios, ele
precisa de dinheiro dos credores. Para receber, tem que entregar um
programa de ajuste — com cortes nos benefícios sociais e nas
aposentadorias (é sempre o mesmo tema, sim) — e aprovar esse programa no
Parlamento.
Muito difícil, porque ele formou uma maioria antiajuste e anticredores
nesse mesmo Parlamento. Pode cair nas duas situações, portanto: ou
porque não consegue aprovar o pacote — e a Grécia entra numa recessão
horrorosa, daquela que derruba não um, mas vários governos; ou porque
aprova o pacote e sua maioria se desfaz.
Tsipras aboliu a gravata. Vai às reuniões formais de paletó, mas sem
gravata. Bem capaz de ser essa a única novidade que deixará.
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