por Fernando Gabeira O Estadão de São Paulo
Quando surgiu, achei grave e um pouco subestimado o veto de Dilma ao
projeto de transparência nos negócios do BNDES. Ela entrou em conflito
com o Congresso. Dias depois, o próprio Supremo autorizou o Tribunal de
Contas a ter acesso aos empréstimos à Friboi, empresa que financia
generosamente as campanhas do PT.
Em qualquer país onde o governo entre em choque com o Congresso e o
Supremo o tema é visto como uma crise institucional. Como se não
bastasse, Dilma entrou numa terceira contradição, desta vez consigo
mesma: partiu dela a lei que libera o acesso aos dados públicos.
O ministro Luiz Fux (STF) sintetizou seu voto numa entrevista: num banco
que move dinheiro público, o segredo não é a arma do negócio.
O PT tem razão para temer a transparência. Súbitos jatos de luz, como a
denúncia do mensalão e, agora, do petrolão, abalaram seus alicerces. No
caso do BNDES, não se trata da possibilidade de escândalos. É uma
oportunidade para conhecer melhor a história recente.
Empresas amigas como a Friboi e a Odebrecht, governos amigos como os de
Cuba e Venezuela, foram contemplados. Em ambos, a transparência vai
revelar o viés ideológico dessa orientação. Um porto em Cuba, um metrô
em Caracas são apenas duas escolhas entre mil possibilidades de usar o
dinheiro. Para discutir melhor é preciso conhecer os detalhes. Na
campanha Dilma mentiu sobre eles, ocultando o papel de fiador do Brasil.
O que sabemos da Friboi? Os dados indicam que destinou R$ 250 milhões a
campanhas do PT. Teremos direito de perguntar sobre os detalhes do
empréstimo do BNDES e até desconfiar de seus elos com campanhas
eleitorais.
A análise da política do governo deverá estender-se à sua fracassada
tentativa de criar empresas campeãs. Quem foram e quem são os parceiros,
que tipo de transação? Como dizia Cazuza, mostre sua cara, qual é o seu
negócio, o nome do seu sócio.
No momento do veto prevaleceu uma certa Dilma. Mas a outra Dilma, a que
mandou a lei de acesso, é que estava no rumo certo da História. Não só
porque a transparência é um desejo da sociedade, mas porque a tecnologia
estreita o espaço do segredo.
Os debates nos EUA concentram-se hoje numa restrição à vigilância de
indivíduos, sem licença judicial. Mas chegam a essa discussão graças a
Edward Snowden, que revelou os próprios segredos do governo.
Ironicamente, Dilma foi espionada pelos EUA e decreta o sigilo nos dados
de um banco que movimenta recursos públicos. Sou solidário com ela no
primeiro episódio. Evidente que seria atropelada no segundo. Esta semana
começou a ensaiar a retirada, via Ministério do Comércio, que vai
disponibilizar dados das transações internacionais e algumas nacionais.
O PT deveria meditar sobre o segredo. Ele foi detonado pela quebra do
segredo entre quatro paredes, no mensalão. Agora, no caso da Petrobrás,
entraram em cena novos mecanismos de investigação, melhor tratamento dos
dados.
Nos primeiros meses de governo, já tinha uma visão do PT. Nem todos a
compartilhavam, pois o partido venceu três eleições depois de 2002. Aos
poucos, os momentos de transparência sobre os escândalos foram criando
uma percepção nacional sobre o tipo de governo que se implantou no
Brasil.
Não há dúvidas de que os segredos do BNDES serão revelados. Sociedade,
Congresso e Supremo caminham numa mesma direção. E o próprio governo
começa a abri-los.
É um elo para a compreensão do papel do PT. Embora ainda não tenha os
dados completos, já posso afirmar que o BNDES financiou pobres e ricos.
Mas ambos, os pobres de socialismo, como os ricos aqui, do Brasil, são
escolhidos entre os amigos do governo. De um modo geral, o processo foi
de financiar amigos ricos para que construam para os amigos pobres.
Tanto a Friboi como a Odebrecht fazem parte dessa constelação política
econômica que dominou o fluxo dos investimentos do BNDES. Isso teve
repercussão nas campanhas eleitorais. De um lado, o Bolsa Família
assegurava a simpatia dos eleitores: de outro, a bolsa dos ricos
contribuía para as campanhas do tipo vivemos num paraíso. Contribuía,
porque hoje sabemos que outras fontes menos sutis, como o assalto à
Petrobrás, injetavam fortunas no esquema.
Falou-se muito no petrolão como o maior escândalo da História,
mobilizando pelo menos R$ 6 bilhões. Quando todos os segredos, inclusive
os do fundo de pensão, forem revelados, não importa a cifra astronômica
que surgir daí: o grupo brasileiro no poder é o mais voraz em atuação
no planeta. Não posso imaginar salvação depois da conquista desse
título.
O PT e aliados podem continuar negando, na esperança de que o tempo
amenize tudo. É uma tática de avestruz. Será que não se dão conta de que
apenas um décimo da população os aprova hoje? O que será do amanhã,
quando quase todos saberão quase tudo sobre o que fizeram com o País?
Nesta paisagem de terra arrasada, a economia é apenas uma das variáveis.
O processo político degradou-se, os valores foram embrulhados por uma
linguagem cínica, a credibilidade desapareceu já há tempo. O Brasil pode
até conviver com esse governo, que tem mandato de quatro anos. Mas não
creio que mude de opinião sobre ele, alternando momentos de um desprezo
silencioso com as manifestações de hostilidade.
Um governo nasce morto e a lei nos determina um velório de quatro anos.
Muito longos, até os velórios costumam ser animados. E algo que anima
este velório é a revelação dos últimos segredos, como o sigilo do BNDES e
tantas outras linhas de suspeita que foram indicadas nas investigações
da Petrobrás. E daqui por diante nem o futebol será uma distração
completa. A cúpula da Fifa transitou de um hotel cinco-estrelas para uma
cela de prisão. Imprevisíveis roteiros individuais rondam os donos do
poder. E essa história ainda será escrita com todas as letras.
extraídaderota2014blogspot





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