por Gaudêncio Torquato Com Blog do Noblat - O Globo
O presidencialismo de coalizão, na forma atual, está saturado
Essa é a ameaça que paira sobre a cabeça de mandatários que não
conseguem transformar o capital eleitoral obtido no pleito em capital
político. Em termos práticos, tal ameaça significa enfrentar
resistências da própria base aliada e obstáculos na passagem de
interesses do Poder Executivo pelas Casas congressuais. É o que se vê
hoje. O PMDB e os partidos aliados, mesmo com espaços na estrutura do
poder, sentem-se alijados do processo decisório em torno das políticas
públicas. Para complicar, o governo Dilma, nesse segundo mandato, tem
sido ineficiente na frente da articulação política. E sofre muito.
Quem não se lembra de Fernando Collor de Mello? Sem capital político,
foi empurrado para fora da Presidência da República por um impeachment.
De lá para cá, as coisas mudaram. Os presidentes trataram de azeitar a
máquina da articulação política. Com exceção da presidente Dilma
Rousseff, que não convive bem com a esfera política. Uma questão de
índole.
Por isso mesmo, o Executivo começa a colecionar derrotas, uma atrás da
outra. E não adiantará, a essa altura, tentar melhorar suas condições
junto ao Congresso, eis que a administração atravessa um ciclo de má
avaliação. Mais de 65% desaprovam o governo. O fato é que o chamado
presidencialismo de coalizão tem base movediça e gera instabilidade. O
relacionamento do Executivo com os partidos é frágil. Trata-se de um
contato ortodoxo, unilateral, sem reciprocidade. O maior partido da
base, o PMDB, põe o dedo na ferida quando insiste em dizer: ser governo é
uma coisa, estar no governo é outra.
A diferença entre ser e estar conduz aos fundamentos do
“presidencialismo de coalizão”, ancorados em três pressupostos: a
constituição pelos partidos de uma aliança eleitoral e sua união em
torno de um programa mínimo; a formação do governo, a partir do
preenchimento de cargos e compromissos com a plataforma política; e a
transformação da aliança inicial em coalizão governativa. Ser governo é
assumir responsabilidades nesses três momentos. Sob essa perspectiva, o
governo deveria amalgamar os programas dos partidos, contemplando-os na
operação administrativa de acordo com a sua respectiva densidade
política no Congresso Nacional e observando a identidade e as vocações
de cada um. Não é o que se vê na vida administrativa. A disparidade no
atendimento das demandas partidárias abre contrariedades e forma
emboscadas.
As disputas por espaços se acirram sob o leque do fisiologismo. Estar no
governo, eis a noção, restringe-se à simples ocupação de cargos sem
competência dos ocupantes para interferir em linhas programáticas. Tal
visão gera indignação de elos da corrente governista. Em suma, o
Executivo despreza a modelagem do “presidencialismo de coalizão” e se
vale do poder do hiperpresidencialismo.
O Poder Executivo ganhou força com a Constituição federal de 1988, que
dotou o governo de extraordinário instrumento legislativo (a medida
provisória). Outros meios expandem o cacife presidencial: a adoção do
regime de urgência na tramitação de projetos de lei, o mecanismo de
votação simbólica de lei pelos líderes partidários, a legislação
tributária centralizadora e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com essa
armação, o Palácio do Planalto passa a enquadrar as políticas do Estado
em duas bandas: uma, com capacidade decisória sobre metas de câmbio,
política de juros, cujos efeitos se fazem sentir nas políticas de
emprego e renda; a outra, sem poder decisório central, repartida entre
os apoiadores. Não por acaso, floresce no País um autoritarismo civil
sem precedentes. O barão de Montesquieu, com seu sistema de pesos e
contrapesos, fica apenas no registro necrológico.
Os sustos dos Executivos, exacerbados neste segundo mandato da
presidente Dilma, demonstram que tal modelagem precisa de ajustes. O
presidencialismo de coalizão, na forma atual, está saturado. A começar
pela necessidade de aplicar o verbo ser em lugar do verbo estar. Ser
governo e estar no governo. A tarefa é complexa. Exige realinhamento de
ideário, desafio que pressupõe entendimento e plena aceitação do escopo
do “presidencialismo de coalizão”. Sem essa condição, o que teremos é
colisão, não coalizão.
A aprendizagem na cartilha da nova feição presidencialista demandará
compromisso dos entes partidários com valores éticos e princípios
morais, sem os quais os domínios administrativos se tornarão feudos de
caciques e interesseiros. Posições transparentes, articulação das forças
sociais para participar da formulação das políticas e calendário de
implementação dos programas ajudariam a compor uma identidade
governativa homogênea. Só não enxergam essa obviedade cegos políticos.
Ou governantes autoritários.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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