Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 2 de abril de 2015

André Singer: “As pessoas que protestam não são de direita”

O cientista político contraria o PT, diz que a oposição que está emergindo das ruas é majoritariamente de centro – e defende o sistema partidário brasileiro

André Singer, no jardim de sua casa, em São Paulo. “Nós construímos este sistema partidário e custou muito construí-lo”.

O cientista político André Singer é um intelectual ligado ao PT – e também uma das vozes mais ponderadas do partido. Na contracorrente dos setores petistas mais estridentes, Singer defende que o partido faça uma autocrítica, com o afastamento temporário dos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras...

Singer encara também sem alarmismos as manifestações contra o governo, cujo caráter predominante, afirma, foi de protesto democrático. Crítico da guinada econômica do governo Dilma Rousseff, Singer considera, porém, que o “lulismo”, como ele batizou o alinhamento político dos brasileiros mais pobres ao PT sob a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está diante de sua maior crise.

ÉPOCA – Alguns analistas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, avaliam que nosso sistema político degenerou de um “presidencialismo de coalizão” para um “presidencialismo de cooptação”.
André Singer – Eu vou discordar. No Brasil, sempre houve essa tendência de achar que os partidos políticos são podres, que o sistema político está podre.

ÉPOCA – A reação do governo Dilma, ao propor, de novo, reforma política, não foi nessa linha?
Singer – Uma coisa é você dizer que há inúmeros problemas e que eles precisam ser enfrentados. Eu sou a favor de mudanças pontuais, mas que sejam feitas. Acho que nós temos três grandes partidos – o PT, PSDB e PMDB – que conformam um sistema: situação, oposição e um partido de centro, que faz o papel de fiel da balança. Com um monte de problemas? Sim, mas eles expressam interesses sociais e visões que existem na sociedade brasileira. Nós construímos esse sistema partidário e custou muito construí-lo. Não adianta ficar pensando que vamos de uma hora para outra dissolver tudo e que vai emergir um sistema ideal. Não é assim que funciona no Brasil e em lugar nenhum. Não estou defendendo qualquer tipo de conformismo, mas devo alertar para determinadas ilusões, que não levam a nada.

ÉPOCA – O que vimos no dia 15 de março foi uma continuação de junho de 2013?
Singer – Há pontos de conexão, mas não há propriamente uma continuação, porque junho de 2013 foi um fenômeno muito complexo, que misturou de tudo. Em um momento, havia da extrema-esquerda à extrema-direita na mesma avenida. Agora, houve uma manifestação, pela primeira vez, de setores de oposição ao governo, nos quais existem centro, direita e extrema-direita. São setores que estavam ansiosos por ir à rua desde 2005. E nunca tinham conseguido massa crítica para se manifestar. Tentaram em 2007, com o “Cansei”, fizeram algumas manifestações não tão grandes depois da eleição e, finalmente, chegaram a 15 de março. O ponto de contato entre esses eventos é esse centro novo.

ÉPOCA – O senhor discorda então de uma avaliação corrente no PT de que as manifestações de 15 de março foram organizadas pela direita?
Singer – Eu acho que elas foram puxadas pela direita. Quem está à frente dos movimentos é a direita.

ÉPOCA – O que o senhor caracteriza como direita?
Singer – Eu acho que o “Fora, Dilma” expressa isso, de um modo geral. Claro que “Fora, Dilma” pode ser uma maneira de dizer “eu sou contra a Dilma”. Aí há uma certa ambiguidade, porque não dá para saber exatamente se a pessoa que está dizendo “Fora, Dilma” está literalmente querendo defender o impeachment ou se ela está dizendo “eu sou contra a Dilma”. Quem diz “Fora, Dilma”, no fundo, pode aceitar que a Dilma tem de governar. Essa era a maioria das pessoas que foi à Avenida Paulista, em São Paulo. Essa é a minha intuição.

ÉPOCA – O senhor acha então que o grupo de direita que puxou a manifestação não era o grupo majoritário?
Singer – Não é o grupo majoritário. Tanto não é o grupo majoritário que o PSDB, de maneira muito inteligente, percebeu que a bandeira do impeachment não agrega e recuou. Não recuou apenas por uma questão institucional, mas também porque percebeu que não é a bandeira que empolga a maioria. É a bandeira que está na cabeça apenas dos que estão puxando as manifestações. O que é compreensível, porque quem puxa é quem está mais irritado e tem posições mais radicalizadas.

ÉPOCA – Mas qual é a bandeira que empolga?
Singer – Protestar contra o governo. A questão da corrupção, sim, é um catalisador importante. Ela tem uma ligação forte com a questão econômica. Quanto mais a situação econômica é ruim, mais as pessoas vão depositar sua irritação no problema da corrupção. Se a situação econômica estivesse boa, é claro que as pessoas seriam contra a corrupção. Mas seria muito mais fácil para o governo defender a posição, justa na minha opinião, de que tudo está sendo feito para combater a corrupção. Mas as pessoas estão muito irritadas com a situação econômica, e isso potencializa muito o mau humor com a corrupção, o que é absolutamente legítimo e compreensível.

ÉPOCA – Quando houve a manifestação, parte expressiva do PT disse que ela, de alguma forma, era golpista.
Singer – Em certo momento, sim, parecia mesmo uma movimentação golpista. De um lado, havia esses grupos que pedem abertamente intervenção militar, o que é golpe. Do outro, grupos que pedem o impeachment que, a meu ver, seria um golpe branco. Como esses grupos puxaram as manifestações, parecia que elas teriam esse caráter. Mas, quando foi chegando perto, a situação mudou. A manifestação atraiu muita gente que não tem essa postura. Se a manifestação tivesse mantido a feição golpista, haveria um número menor de pessoas na Paulista. À medida que a manifestação foi crescendo, foi se moderando. Ela se tornou uma manifestação mais moderada de protesto contra o governo.

ÉPOCA – O senhor escreveu que a crise do governo está relacionada ao que muita gente chama de estelionato eleitoral. Reeleita, a presidente Dilma adotou políticas que ela criticou na campanha e dizia que seriam adotadas por Aécio Neves. Mas era possível dobrar a aposta na política econômica do primeiro mandato?
Singer – Dou uma resposta de cientista político, e não de economista. Se a presidente Dilma tinha a avaliação de que precisava fazer um ajuste recessivo, ela não podia ter prometido que ia envidar esforços imediatos na retomada do crescimento e dizer que o ajuste recessivo seria feito pelo adversário. O preço é muito alto: o eleitor não perdoa esse tipo de mudança abrupta. Eu não tenho uma fórmula econômica, mas me parece que ela teria de dar curso ao que ela falou na campanha. Tentar reativar a economia e evitar o que está acontecendo agora, que é o desemprego. Nós vamos ver um desemprego maior como resultado do ajuste recessivo que está começando a ser adotado.

ÉPOCA – Não está faltando autocrítica por parte do PT?
Singer – Está na hora, sim, de o PT fazer uma autocrítica. Ele precisa fazer uma revisão de sua postura, porque nasceu para ficar à margem de qualquer desvio ético. Essa característica prevaleceu durante muito tempo e deu muita energia moral para o PT. O partido não deveria colocar em risco esse patrimônio. Tenho defendido que as pessoas que estão sendo investigadas sejam provisoriamente afastadas, para que o partido possa começar um processo de revisão. Ao mesmo tempo, é correto dizer que está caindo sobre o PT um peso que não está sendo aplicado aos outros partidos. Especificamente ao PSDB, que está saindo ileso de todo o processo do mensalão mineiro e do chamado Trensalão, em São Paulo. É preciso fazer as críticas e cobranças, mas precisamos perceber que o PT é um partido fundamental no sistema partidário. Demonizar o PT não vai ajudar a democracia brasileira.

ÉPOCA – Dado o cenário de desgaste político e crise econômica, o senhor diria que o lulismo acabou?
Singer – Não, não acho que acabou, mas ele está diante de sua maior crise, de seu maior desafio. A desaprovação do governo alcançou as camadas sociais que são a base propriamente do lulismo, o subproletariado e a nova classe trabalhadora. Isso é um tremendo problema, que não tinha acontecido até aqui. Quando a classe média se afastou do PT e do Lula, veio essa nova base que sustentou as três eleições seguintes. Se a eleição fosse hoje, o lulismo não ganharia. Mas estamos no começo de um processo. Temos a eleição do ano que vem e depois a eleição de 2018. Muita coisa vai acontecer. A liderança política do ex-presidente Lula por enquanto está mantida. Ele é um líder que tem demonstrado grande capacidade de invenção. Ninguém sabe dizer o que vai acontecer nem com a economia internacional nem com a economia brasileira. A gente não pode decretar ainda o fim do jogo.
Fonte: Por Guilherve Evelin e Ivan Matins com Harumi Visconti, Epoca.






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