Roberto
Ellery,
Nas
últimas semanas recebi vários pedidos para comentar a respeito de um meme que
está circulando na internet mostrando que hoje um salário mínimo compra mais
gasolina do que comprava em 2002. Meu comentário é que isto é mais uma forma de
desviar o assunto do aumento do preço da gasolina e desviar a discussão para um
outro assunto, qual seja, a valorização do salário mínimo. O fato é que o salário
mínimo tem aumentado de forma quase constante desde 1995 quando ocorreu a
estabilização, é natural que nos últimos dez anos seja possível a quantidade de
gasolina que pode ser comprada com o salário mínimo tenha aumentado. Arrisco
que o mesmo pode ser dito para a quantidade de Coca Cola ou de bacon que é
possível comprar com o salário mínimo.
A figura
abaixo mostra a evolução do salário mínimo desde 1995, considerei o último
salário do ano (a data de reajuste mudou no período, ignorei este fato). A linha
azul usa o IPCA, índice oficial de inflação, a linha laranja usa o INPC, um
índice voltado para famílias com renda entre 1 e 5 salários mínimos (o IPCA
pega até 40 salários mínimos) e a linha cinza mostra o salário mínimo em
dólares, não vem muito ao caso, está aí porque já vi outros memes comparando
salário mínimo em dólares. Note que pela linha azul, a que considera a inflação
oficial, o processo de aumento real do salário mínimo começa em 1995, pela
linha laranja começa em 1997.
Visto que
o aumento do salário mínimo começa antes dos governos do PT é razoável supor
que não foi uma consequência do petismo, na realidade a medida fundamental para
permitir o aumento do salário mínimo foi a desvinculação do reajuste dos
benefícios previdenciários do reajuste do salário mínimo. Quando todos os
benefícios da previdência (regime geral) eram reajustados pelo salário mínimo o
impacto do aumento do salário mínimo nas contas públicas era muito grande, isto
quase forçava o governo a dar reajustes pequenos para o salário mínimo. A
desvinculação em si é tema polêmico e não vão discutir aqui, quem sabe em outro
post, mas é muito difícil negar que o fim da vinculação permitiu maiores
aumentos para o salário mínimo.
Visto que
a tendência de aumento do salário mínimo é anterior à chegada do PT ao poder
resta outra pergunta: o crescimento ficou mais intenso nos governos petistas? A
resposta é sim, mas deve ser qualificada. A primeira qualificação seria dizer
que sim no governo Lula e não no governo Dilma. Usando a série corrigida pelo
IPCA como referência o aumento médio do salário mínimo entre 1995 e 2002 foi de
3% ao ano, entre 2003 e 2010 foi de 6,4% e entre 2011 e 2014 foi de 2,9% ao
ano, se consideramos o INPC o crescimento médio foi maior tanto com Lula quanto
com Dilma, mas também ocorre uma queda no governo Dilma em relação aos governos
Lula (os números são 1,9%, 5,3% e 2,9%, respectivamente).
A segunda
qualificação diz respeito a natureza do momento econômico em cada governo. Como
já falei várias vezes aqui no blog o governo FHC tem de ser analisado em um
contexto de combate à inflação. Depois de décadas de inflação descontrolada e
uma série de fracassos de combater a inflação via controle de preços o governo
FHC era o primeiro a tentar combater a inflação por meios convencionais. Os
meios convencionais de combater a inflação costumam funcionar, mas tem efeitos
colaterais, entre eles aumento no desemprego e queda no salário real, é cruel,
mas, como mostra a experiência brasileira, as técnicas alternativas não
funcionam. Por sua vez Lula governou em um período de expansão e não teve de
combater uma hiperinflação, a inflação alta de 2002 foi pontual e em menos de
um ano foi controlada, os efeitos da retomada do crescimento (abortada em 2001
por conta do racionamento) e da recuperação dos salários depois do período de
combate à inflação (um efeito que eu demorei para compreender, confesso) não
podem ser ignorados na comparação dos dois governos. Já o governo Dilma
conseguiu ter o ritmo de crescimento do salário mínimo real um pouco menor que
o do governo FHC enquanto via a inflação aumentar, é um feito. Como eu já disse
aqui, entre inflação e recessão o governo Dilma escolheu os dois.
A
terceira qualificação diz respeito a definição dos períodos. Quem me acompanha
aqui no blog ou no FB sabe que não considero adequada a divisão por governos,
prefiro dividir por políticas econômicas. Pensando assim trato o período 1995 a
2005 como o período das reformas, 2006 como o início da transição que foi
comprometida pela crise de 2008 de forma que o período das contra reformas
começa mesmo com Dilma em 2011 e dura até hoje. Por esta classificação o
salário mínimo real cresceu a uma taxa de 4,1% ao ano no período das reformas,
6,2% ao ano durante a transição (5% se tiramos o reajuste excepcional de 2006)
e 2,9% durante o período de contra reformas. Os contra reformistas de Dilma
prometeram reduzir juros na marra para reduzir os ganhos do rentistas e
entregaram redução no crescimento do salário mínimo real, a vida é dura.
Uma
quarta qualificação seria quanto a sustentabilidade do aumento do salário
mínimo e da renda do trabalho como um todo. Participei de um estudo junto com a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) a
respeito do tema a grosso modo a conclusão é que o aumento da renda do trabalho
só será sustentável se ocorrer um aumento na produtividade do trabalho.
Particularmente (é redundante, mas ressalto que o que segue é conclusão minha e
não da SAE/PR) acredito que os ganhos de produtividade necessários para manter
o crescimento da renda do trabalho só virão com a retomada da agenda
reformista, mas isto é outra conversa.
E a gasolina? A esta altura espero que tenha
percebido que uma questão não tem relação com a outra, o problema da gasolina é
que o governo quase quebrou a Petrobras tentando controlar o preço para abaixo
e agora vai quase quebrar um monte de gente controlando o preço para cima. Como
assim? O governo erra quando coloca o preço para baixo e quando coloca o preço
para cima?! Não tem um pouco de má vontade aí? Não. O erro do governo não é
colocar o preço para cima ou para baixo, o erro é tentar determinar o preço, o
resto é consequência.
Fonte diplomatizzando.






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