por Eurico Borba
O Globo
Proponho que os eleitores tenham, pelo menos, o ensino médio para participar de votações nacionais
Quando iniciei meus estudos universitários, em 1960, a maioria dos
alunos se interessava pela “política estudantil". Estudávamos,
debatíamos, participávamos de calorosas assembleias e eleições dos
diretórios, da UME, da UNE e dos grandes debates partidários sobre o
futuro do Brasil e da América Latina. Era uma tensão intelectualmente
estimulante e nada monótona.
Entre os vários temas em pauta, discutíamos os fundamentos da
legitimidade e da legalidade das ações e das propostas políticas. Seriam
legítimas aquelas que apontassem para a promoção integral da dignidade
da pessoa humana, dos seus direitos inatos e inalienáveis. Seriam legais
as que se materializassem dentro de uma moldura constitucional e legal.
O ideal é que as Constituições e as leis fossem legítimas nos seus
conteúdos e proclamadas de acordo com os ditames e a liturgia da
democracia representativa, da organização e do funcionamento de um
Estado democrático de Direito.
Lembrávamos que as constituições e as leis da União Soviética de Stalin,
da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini eram irretocavelmente
legais, mas inquestionavelmente ilegítimas.
Creio que precisamos recuperar essa discussão para o Brasil de hoje.
Verdades éticas e proposições morais não são e nunca serão frutos de
votações e de maiorias eventuais. O mal e o moralmente errado não se
tornarão o bem e o correto simplesmente por suas propostas terem obtido
maioria num eventual escrutínio.
Essa constatação me leva a voltar a discutir a questão do voto
qualificado. Há 50 anos não tive dúvidas em me alinhar àqueles que
propugnavam pelo direito de votar e de ser votado para toda a população,
independentemente do seu nível educacional — era o direito do voto para
os analfabetos. Hoje sou levado a rever minha certeza da juventude e
propor que os eleitores tenham, pelo menos, o equivalente ao atual
ensino médio para participar de eleições nacionais.
Assumo essa posição por um simples motivo: o povo sem formação acadêmica
mínima, que lhe permita exercer um pensamento crítico estruturado,
neste mundo cada vez mais interdependente e complicado, passa a ser
presa fácil dos marqueteiros, a serviço do poder econômico e político,
que utilizam eficientes técnicas de propaganda, com base no que se
conhece da psicologia social e da sociologia, impondo ao povo
desprotegido formas de pensar transitórias, vendendo desde sabonetes até
candidatos. Por isso, muitos partidos e políticos mentem, roubam e
recebem propinas.
Assim procedendo, aparentemente, o ritual democrático é atendido, mas o
erro moral se instala, corrompendo a liberdade e a justiça. Os
escândalos políticos no Brasil, que nos envergonham e entristecem, são
fruto de ações políticas muitas vezes legais, mas evidentemente
ilegítimas.
fonte rota2014
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