Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

"Construção de ruínas"

, editorial da Folha de São Paulo

"Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína", disse Caetano Veloso. O verso do compositor aplica-se bem à situação encontrada pelos técnicos do Tribunal de Contas da União nas obras de transposição do rio São Francisco.
Enquanto prossegue a construção dos canais faraônicos para levar água ao semiárido nordestino, equipamentos novos avaliados em R$ 1 bilhão acumulam-se sem cuidado em locais inapropriados, sob risco de sofrer danos irreparáveis.
Por trás de tal incúria estão conhecidas mazelas nacionais: falta de planejamento e má gestão. O maquinário foi comprado considerando-se um prazo de construção que, óbvio, não foi cumprido.
As empreiteiras que trabalham no local não tinham em seus contratos nenhuma previsão quanto ao armazenamento do material. Todo ele terminou abandonado nos canteiros de obras, alguns até abertos ao público.
O TCU considerou a situação grave e determinou ao Ministério da Integração Nacional que resolvesse a situação em 60 dias.
Parece duvidoso que tal recomendação tenha mais efeito do que as dirigidas pelo TCU ao Comitê de Obras Irregulares do Congresso (COI), responsável por receber os relatórios do tribunal e determinar se contratos sob suspeita de desvios devem ou não receber recursos federais no ano seguinte.
Levantamento feito pelo jornal "Valor Econômico" mostrou que, de 2010 a 2013, o TCU recomendou a paralisação de 42 empreendimentos com indícios de irregularidades graves. Apenas um, contudo, foi efetivamente bloqueado. São situações em que também se associam construções com ruínas –da probidade, no caso.
Entre as obras aprovadas pelo comitê encontra-se, por exemplo, a famigerada refinaria da Petrobras Abreu e Lima, em Pernambuco. Suspeita-se que seus contratos tenham sido superfaturados e tenham alimentado o caixa de partidos como PT, PMDB e PP.
Tendo consumido cerca de R$ 40 bilhões –oito vezes o valor original–, a obra recebeu o beneplácito do comitê sob a justificativa de que, "apesar do sobrepreço significativo", paralisá-la resultaria mais prejudicial que seguir com os trabalhos. Prejudicial para quem?
Outros projetos bilionários de construtoras investigadas na Operação Lava Jato também seguiram em frente, a despeito de alertas do TCU. Confirma-se, assim, a receita habitual, tão brasileira e danosa, que junta interesse político escuso a despreparo técnico.
FONTE ROTA2014

0 comments:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More