por Gil Castello Branco
O Globo
Após eleita, a maioria dos governantes prega a austeridade. No último ano do mandato, porém, rapa os cofres
O filósofo Marco Túlio Cícero disse, 55 anos antes de Cristo, que “o
orçamento nacional deve ser equilibrado e as dívidas públicas devem ser
reduzidas...” O problema é que o orçamento e o ciclo eleitoral têm
afinidades. Após eleita, a maioria dos presidentes, governadores e
prefeitos prega a austeridade. No último ano do mandato, porém, rapa os
cofres.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi criada em 2000 para dar
transparência ao gasto público e impedir o vale-tudo no fim da festa.
Com frequência, políticos tentando a reeleição “quebravam” as
prefeituras, governos e bancos estaduais, e a conta caía no colo dos
sucessores ou da Viúva, a União. Muitos pagavam pela irresponsabilidade
de alguns.
Assim, a LRF determinou limites para a gastança, tendo como referência a
Receita Corrente Líquida (RCL), que é a soma das receitas tributárias,
com algumas deduções legais. Há obrigações relacionadas às publicações
de relatórios de gestão, às prestações de contas e à comprovação da
regularidade quanto ao pagamento de tributos e empréstimos. Ainda
existem os limites para as despesas com pessoal, endividamento e
compromissos que passam de uma gestão para outra.
Nos últimos dois quadrimestres dos mandatos, por exemplo, os gestores
são proibidos de contrair despesas que não possam ser quitadas
integralmente dentro do exercício, ou que tenham parcelas a serem pagas
no ano seguinte, sem que haja disponibilidade de caixa suficiente. As
punições, em tese, são duras. Existem 11 situações de desrespeito à LRF
classificadas como transgressões fiscais e 64 situações que levam a
punições penais, entre ações e omissões.
Apesar de a lei já ter sido amenizada várias vezes em relação à versão
original, os políticos continuam aprontando. Nos estados, 17
governadores estão na “zona de risco” das despesas com pessoal e
encargos, que são limitadas, no Executivo, a 49% da RCL. O primeiro
alerta já foi acionado para dez unidades da Federação onde o gasto
superou 44,1% da RCL (CE, PE, AP, RO, PA, RS, SC, DF, GO e MT). Outros
três estados (PR, RN e TO) estão no “limite prudencial” (46,5% da RCL).
Em outros quatro estados foi ultrapassado o limite máximo estabelecido. O
pior deles é o Piauí (50%), seguido de Alagoas (49,8%), Paraíba e
Sergipe (49,6%).
O governo do Piauí, inclusive, foi obrigado pelo Tribunal de Contas do
Estado a anular todos os atos que acarretaram aumento de despesas com
pessoal, inclusive a nomeação de 1.275 servidores. No Distrito Federal, a
situação é de calamidade. Além de construir um dos estádios mais caros
do mundo, no desespero para tentar se reeleger, o governador Agnelo
Queiroz concedeu aumentos generosos aos servidores públicos. Agora não
há dinheiro para as creches, alimentação de pacientes em hospitais,
empresas de ônibus, salários e até aposentadorias. Mas, como tudo em
Brasília acaba em festa, na semana passada foi divulgado edital para o
réveillon, no valor de R$ 2 milhões.
Nas cidades, a situação da LRF é ainda pior. A Confederação Nacional de
Municípios (CNM) apontou que provavelmente 5.368 prefeituras irão
encerrar o ano com irregularidades no cadastro que consolida as
responsabilidades dos entes perante o governo federal (Cauc), uma
espécie de SPC da Secretaria do Tesouro Nacional. Na lista suja estão
96,4% dos municípios brasileiros.
Esta situação decorre, em parte, da estagnação da economia e das
desonerações promovidas pelo governo federal, notadamente Imposto de
Renda e IPI, que afetaram negativamente as receitas da União, estados e
municípios. Como é óbvio, quanto menor a arrecadação, maior o risco de
exceder os limites. Mas, se faltou receita, cabia aos gestores reduzir
despesas.
O mau exemplo, no entanto, vem de cima. Quando o governo
sistematicamente fecha as suas contas na marra e chantageia o Congresso
com a liberação de emendas para transformar déficit em superávit,
estimula a desordem fiscal. Além disso, nunca houve disposição das
autoridades federais em fixar limites para o endividamento da União,
previsto na lei, que ainda depende de regulamentação. Hoje, só estados e
municípios estão sujeitos a limites de endividamento. O Conselho de
Gestão Fiscal, previsto no artigo 67 da LRF, formado por representantes
de todos os poderes e esferas do governo, do Ministério Público e de
entidades técnicas representativas da sociedade, também não saiu do
papel.
No Brasil, há vários anos, a LRF vem sendo rasgada nas beiradas. Cabe ao
Ministério da Fazenda e aos tribunais de contas — principais guardiões
da responsabilidade fiscal — pensarem em Cícero e juntarem os pedaços...
fonte rota2014
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