por José Casado
O Globo
Espetaram na Petrobras uma fatura de pouco mais de US$ 130 milhões como indenização por chuvas no agreste pernambucano, mesmo quando o tempo estava seco e sereno
Em 1992, o escritor Otto Lara Resende caminhava por uma rua do Rio
quando choveu dinheiro sobre sua cabeça. O caso foi contado com a
suavidade de um clássico da bossa nova por Ruy Castro, autor de “O poder
de mau humor” (1993), onde se aprende como o poder é cruel: “Antes de
nos arruinar, quer primeiro nos enlouquecer.”
Aconteceu durante a desordem político-econômica do governo Fernando
Collor. Apeado da Presidência no impeachment decantado por um coro
petista, Collor renasceu na década seguinte aliado a Lula e, desde
então, tem assento garantido na bancada governista, sob liderança do PT.
Otto recebeu um monte de moedas na cabeça. Não se machucou. Viu que nem
mendigos se davam ao trabalho de recolher aquele dinheiro sem valor
espalhado no chão, e escreveu: “Nem peso ou consistência material essa
droga tem.”
Mantendo-se na inércia, Dilma Rousseff corre o risco de começar o
segundo mandato presidencial sob uma simbólica chuva de títulos da
Petrobras, que perdeu quase 55% do valor de mercado nos últimos dois
anos.
Por trás da corrosão das moedas sob Collor e das ações da Petrobras sob
Dilma, podem-se vislumbrar laivos da “fase 1”, para usar o jargão da
burocracia, da crueldade do poder de enlouquecer, antes de arruinar.
A balbúrdia na estatal petroleira possibilitou,
entre outras coisas, que fosse roubada a chuva no agreste nordestino.
Aconteceu durante a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco,
negócio público que começou custando US$ 2,5 bilhões e já ultrapassa
US$ 20 bilhões — mais de um terço acima de similares e contemporâneas da
Índia (quatro), na China (três) e na Arábia Saudita (duas).
Em geral, uma obra de construção civil para quando chove e o custo dessa interrupção é normalmente absorvido pelo empreiteiro.
Em Abreu e Lima, a conta da paralisação por chuvas (raios, também) ficou
com a petroleira estatal. As empreiteiras do “cartel de leniência”
espetaram uma fatura de pouco mais de US$ 130 milhões como indenização
pelas chuvas no agreste. O cálculo do tribunal de contas é preliminar.
Dados da Agência Pernambucana de Água e Clima mostram que desde o início
da obra da refinaria, em 2007, choveu tanto quanto nos seis anos
anteriores. Na média, os períodos de tempo sereno e seco também foram
iguais. Ou seja, roubaram até a chuva do agreste. É a tática de primeiro
enlouquecer, na sequência arruinar o acionista majoritário da empresa
pagante, isto é, o público.
Insólito, porém real na paisagem de proposital descontrole da empresa
estatal, onde o poder político chegou a impor desde contratos em branco
até gastos extras com a entrega antecipada de uma plataforma marítima
(P-57), apenas para viabilizar uma cena partidária em Angra dos Reis
(RJ) durante a campanha presidencial de 2010. Talvez tenha sido o
comício político mais caro da história contemporânea: custou à Petrobras
US$ 25 milhões, propina incluída.
Singular, mas coerente com uma forma de gerência dos interesses do
Estado que permitiu o pagamento extraordinário de US$ 24 milhões a uma
empreiteira como indenização por duas semanas de paralisação das obras
num trecho (16% do terreno) do Terminal Aquaviário de Barra do Riacho
(ES). Motivo: foram encontrados exemplares de Atta robusta, espécie em extinção, mais conhecida como saúva-preta.
FONTE ROTA2014
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