, por Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos
Guantánamo, alcaguetagem, tortura. O uso do exagero para manchar a
conduta da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça na
Operação Lava Jato tem sido a estratégia de defesa eleita por alguns
advogados do caso, por vezes travestidos de juristas, em entrevistas e
artigos em jornais. Essa abordagem, contudo, não resiste aos fatos.
Primeiramente, o uso pelo Ministério Público Federal do instituto da
colaboração premiada (para alguns, "delação premiada") e, agora, da
leniência, é amparado nas recentes leis do Crime Organizado,
Anticorrupção e da Defesa da Concorrência, bem como na experiência
bem-sucedida de mais de dez anos de seu uso por membros da força-tarefa
Lava Jato.
É a técnica investigativa de melhor resultado na revelação de crimes do
colarinho branco, engendrados em restaurantes sofisticados, em festas
milionárias, e ocultos sob camadas de manobras contábeis aparentemente
legais.
Aliás, o procedimento hoje adotado pela Lei do Crime Organizado teve por
base os diversos acordos firmados pela força-tarefa Banestado, naquela
época –entre 2003 e 2007– fundados em leis esparsas e na experiência
americana e italiana.
Sem querer recorrer à hipérbole, comparando o grupo mafioso italiano
Cosa Nostra com investigados da Operação Lava Jato, sempre é bom lembrar
que foi justamente o acordo de colaboração com o mafioso Tommaso
Buscetta que possibilitou o "maxiprocesso" de Palermo, em que os
procuradores antimáfia Giovanni Falcone e Paolo Borsellino alcançaram a
condenação de mais de 350 mafiosos.
Em segundo lugar, alguns "doutrinadores" veem na colaboração um recurso
antiético, um incentivo do Estado à alcaguetagem –dizem. Esse sofisma dá
valor ético à "omertà", o juramento de silêncio entre criminosos. Esse
silêncio é imoral e deve ser combatido. O valor ético aqui é o de
desvelar o crime e punir seus autores.
Enquanto o alcagueta trabalha em becos escuros, o colaborador presta
suas contas à Justiça; enquanto o alcagueta é ilicitamente pago pelas
suas informações, o colaborador tem apenas o alívio parcial das penas
impostas; enquanto o alcagueta nunca tem sua identidade revelada, o
colaborador terá seu acordo revelado e irá depor em juízo sobre os
fatos. A legitimação, enfim, da colaboração premiada está na sua
obediência ao devido processo legal e ao contraditório.
Assim se explica a opção legal pelo acordo escrito, clausulado segundo
negociação da acusação com o investigado, assistido por defensor,
homologado pelo Judiciário após um juízo de legalidade, com depoimentos
sigilosos até a denúncia respectiva, e cujo valor probante é
insuficiente para qualquer condenação.
Aqui, verifica-se outra faceta desse instituto. Apesar de enfatizada
como uma técnica especial de investigação, a colaboração premiada é
antes de tudo uma opção de defesa. Cabe ao investigado, com seu
advogado, analisar a conveniência de se socorrer desse instituto para
minimizar o risco de vir a ser condenado a uma pena indesejada.
Em suma, qualquer acordo, seja de colaboração, seja de leniência, deve
ser visto sob a ótica do interesse público, ou seja, baseado na
confissão integral dos fatos criminosos, na entrega de provas, pessoais e
materiais, desses crimes e de outros ainda desconhecidos, e o pagamento
de multas pesadas.
O que se busca é a punição dos culpados e o ressarcimento dos danos na
maior extensão possível. Outra espécie de acordo, tal qual sugerido por
alguns advogados, coletivo, baseado tão somente no pagamento de multa e
no esquecimento do passado, é juridicamente impossível e moralmente
inaceitável.
CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA, 49, procurador regional da República, e DIOGO CASTOR DE MATTOS, 28, procurador da República, são membros da força-tarefa da Operação Lava Jato
FONTE ROTA2014
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