ALMIR PAZZIANOTTO PINTO ESTADÃO
Haverá breve período de lua de mel, especulam alguns. Para outros o inimaginável pode acontecer. Há quem sustente que o País não fechará o ano sem recessão. Houve, também, quem dissesse ser impossível resolver a crise com promessas, pois saldar a dívida depende de vultosos investimentos a longo prazo.
Embora tente fugir às responsabilidades, foi o Partido dos Trabalhadores que nos colocou nessa situação. Não agiu, porém, sozinho. Recebeu dócil ajuda de aliados durante dois mandatos de Lula e quase dois de Dilma, e contou com a neutralidade da oposição. Parte da imprensa enxergou longe, e assumiu o ônus de denunciar a política responsável pelo aumento da dívida pública, recrudescimento da inflação, elevação do custo de vida, agressivo consumismo de quem não poderia esbanjar.
Apesar da urgência, a transição para o novo governo será lenta. É inútil alimentar surtos de otimismo. Viveremos meses de expectativa. Quantos? Impossível prever. O Estado democrático de direito é moroso quando deveria ser rápido. Ao réu, em crime comum ou delito de responsabilidade, a Constituição garante o devido processo legal e amplo direito de defesa. No julgamento político, em curso no Senado, Dilma Roussef deverá ser protegida pelas prerrogativas constitucionais, para se impedir acusações de golpe.
A tramitação do processo mal começou, e os integrantes da minoritária base governista mostram as garras, prometendo vender caro a derrota. Isto significa que, a partir do afastamento da presidente Dilma, talvez no final de maio, o Poder Executivo estará bipartido. Afastada, mas não deposta, permanecerá no Palácio da Alvorada, com acesso a mordomias. Guardadas as diferenças, lembro-me da delicada posição de José Sarney, durante o período em que Tancredo Neves esteve hospitalizado. Governava como interino, à espera do imprevisível. Embora remoto, não deve ser ignorado o risco, presente na Lei Superior, de Dilma reassumir com o processo em andamento, se acaso o veredicto não for pronunciado dentro de 180 dias (art. 86, º 2º).
Sob o argumento de serem insuficientes quatro anos, no governo Fernando Henrique foi instituída a chance de reeleição. O Dr. Michel Temer terá apenas dois. Com as finanças públicas arruinadas, 11 milhões de desempregados, outros tantos miseráveis, milhares de empresas quebradas, obras estruturais paralisadas, saúde e educação abandonadas, o que mais poderia desejar o futuro presidente da República?
Enquanto nada se decide, o desemprego avança. No mês passado desapareceram 118 mil postos de trabalho. O pior março em 25 anos. Os dados de abril são desconhecidos, mas não devem ser melhores. Até o final do ano as perspectivas são pessimistas, e assim continuarão em relação ao ano que vem.
Os desempregados não dispõem de dinheiro e paciência para aguardar por alguma fórmula mágica de política econômica. Grandes esforços foram desenvolvidos, desde a redemocratização em 1985, no sentido de restabelecer a confiança das classes trabalhadoras, vítimas da perversa combinação inflação, arrocho salarial, desemprego, ao longo do regime autoritário. Recordo-me dos primeiros meses do governo Montoro, quando São Paulo conheceu saques, depredações, invasões, controladas pela polícia com enormes dificuldades, para evitar que alguém fosse morto. Pela primeira vez as greves chegaram à zona rural, levando o pânico à região açucareira de Ribeirão Preto.
Em cenário de desassossego social, PT, CUT, FUP, MST, Movimento das Mulheres Campesinas, terão bons argumentos para mobilização de descontentes. O professor Delfim Neto, talvez o único remanescente do período militar em atividade, consultado pelo Dr. Temer lhe recomendou paciência com a enigmática frase: “Dois anos é tempo suficiente para plantar carvalho em vez de couve”. A pergunta que me vem à mente é se o Dr. Temer terá à disposição dois anos para demonstrar a que veio, angariar a confiança da população, obter do Congresso as reformas recomendadas por economistas, restabelecer as atividades industriais, sanear as finanças públicas e recuperar os empregos desaparecidos.
Já não há lugar para milagres, como o acontecido nos primeiros meses do Plano Cruzado, em 1986. A retomada do desenvolvimento dependerá da reativação do mercado interno e de exportações. Isto significa aumento de salários, redução de custos e preços, restabelecimento da confiança da empresa privada na economia.
Superamos o período autoritário, quando os trabalhadores eram submetidos a arrocho salarial, os índices de inflação poderiam ser manipulados, o Presidente da República dispunha de atos institucionais, decretos-leis, da censura, de senadores biônicos e de governadores indicados.
O Dr. Michel Temer é a solução para o impasse em que vive o País. Nada de parlamentarismo, nova Assembléia Constituinte, ou antecipação de eleições gerais. Deverá ter presente, entretanto, que o sucesso da breve gestão dependerá, sobretudo, do combate aos corruptos e à corrupção. O Ministério Público e o Poder Judiciário apenas começaram a desvendar o que se oculta nos porões federais, estaduais e municipais.
A mais tênue denúncia, se não for implacavelmente investigada e eliminada, deixará o Dr. Michel Temer frágil diante dos adversários. Como ocorreu com Dilma Roussef.
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